James Petras *
Entrevista com o professor estadunidense James Petras
Comentários do sociólogo estadunidense, Prof. James Petras, desde os Estados Unidos, para a Rádio Centenário, em Montevidéu (Uruguai).
Confira a entrevista:
Chury: Petras, como estás?
Petras: Aqui, estamos muito bem, preparando-nos para a entrevista sobre essa ação criminosa das forças estadunidenses que estão invadindo o Haiti e bloqueando as diferentes expedições médicas que estão tentando ajudar ao povo que está sofrendo pela catástrofe.
Chury: Um tema realmente grave e que está transcendendo é a atitude assumida pelo governo de Obama, porque não há duas leituras: Os Estados Unidos estão aproveitando uma conjuntura desgraçada para tomar o poder no Haiti.
Petras: Sim. Principalmente uma reflexão sobre o centralismo militar na política externa estadunidense que não é simplesmente no caso do Afeganistão ou do Iraque. Não tem outros meios para intervir na crise; sempre enviar tropas militares em primeiro lugar para controlar tanto as bases militares, o porto e todos os sistemas de comunicação.
Os franceses e outros países estão se queixando muito devido ao fato de que seus aviões de ajuda médica não podiam entrar no aeroporto. Um grande contraste é que os cubanos, nas primeiras 24 horas, apoiaram um hospital médico que está tratando de centenas de pacientes a cada dia, 24 horas por dia. E a pequena delegação cubana tratou 20 vezes mais pacientes do que toda a equipe estadunidense, que somente tratou 60 pacientes até agora, entre os milhares que estão feridos.
E essa intervenção militar tem que ser analisada porque como não existe nenhuma equipe civil ativa no exterior, sempre enviam aos militares porque todo o dinheiro do governo está canalizado para a parte militar.
Por isso ficam paralisados quando têm que atuar como civis. E esse militarismo tem uma longa história. Imagino que os alunos de escolas uruguaias recordam a invasão de Montevidéu pela Marinha dos EUA, em 1858. E devem recordar que a principal fonte de treinamento para os militares que criaram essa situação de pobreza no Haiti eram treinados pela Marinha dos EUA em 1915, formando a base do poder da família Duvalier, a ditadura de 30 anos no Haiti, que terminou em 1986.
Esse sistema ditatorial roubou todo o dinheiro da ilha; controlaram milhares, ou quem sabe milhões de dólares que faziam parte do tesouro e depois o povo do Haiti elegeu a Bertrand Aristide, um ex-sacerdote, como presidente; um homem populista, nacionalista; que não queria privatizar os recursos, o sistema de energia e de telecomunicações; então o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional não permitiram que o país recebesse nenhum empréstimo e isso prejudicou o país.
Outro assunto é que, como consequência do que passou com Aristide, com sua popularidade e seus programas sociais, o governo de Bush derrubou a Aristide, com a invasão e o rapto do presidente, que foi derrocado e substituído por um governo títere. E esse governo títere, conforme as pressões do governo estadunidense e do FMI, deu continuidade à mesma política, favorecendo aos ricos e às empresas montadoras.
Por isso, o país é pobre. Os que falam da pobreza no Haiti não explicam a história de intervenção estadunidense; não explicam o apoio da ditadura de Duvalier; não falam da invasão e do rapto do presidente Aristide. Essa é a fonte política da pobreza. E outro ponto: os ricos têm se beneficiado... As casas no bairro dos ricos não estão tão atingidas pelo terremoto; continuam vivendo lá, atrás das grades...
Por isso, a Marinha entrou, para proteger a propriedade dos ricos. E qualquer pobre, qualquer pessoa com fome com crianças na família, que estão morrendo de fome, ao tentar conseguir alguma comida em alguma loja, agora tem que enfrentar a Marinha e as balas que já mataram e feriram a alguns mortos de fome, protegendo aos ricos.
Diante da catástrofe, a primeira consideração é proteger os bairros ricos e as lojas que estão vendendo a comida no mercado negro.
Chury: Parece que o terremoto funcionou como um servidor dos Estados para ocupar definitivamente o Haiti?
Petras: Sim, porém, temos que prestar atenção na resistência. Aqueles que são chamados de gangues, na realidade são uma mistura de gente com fome, são grupos políticos organizados e também gangues; são uma mistura de tudo e o que têm em comum é que querem comer; querem água; querem reconstruir suas casas; querem encontrar seus familiares sob as pedras e não podem ficar de braços cruzados enquanto as patrulhas militares passam buscando mortos e há pessoas que grita debaixo dos escombros e os soldados da Marinha somente buscam castigar a qualquer morto de fome que tenta conseguir uma sacolinha de farinha.
Isso poderá detonar um grande levante. Já temos o caso do terremoto em Manágua, em 1972, que provocou uma revolta; temos o caso do terremoto na Cidade do México, que detonou uma grande organização de bairros e uma força popular em todos os bairros populares do México pela falta de atenção do governo federal. Temos que ver quais são as consequências dessa forma criminosa de atuar dos Estados Unidos. As pessoas não esquecerão que quando tinham fome e sede os oficiais do governo entregaram os portos e as facilidades à Marinha.
Chury: Porém, lamentavelmente, o México hoje está sendo mais vítima dos EUA do que foi em 1962.
Petras: Isso é verdade. Porém, digo que no momento as pessoas têm que tomar as medidas em suas próprias mãos. E a pouca solidariedade que existe no Haiti é entre os familiares, entre os bairros, as comunidades, os amigos. Há solidariedade, há ajuda para tentar encontrar cadáveres ou feridos. Porém, a solidariedade e a ajuda vêm do próprio povo; não vem de todos esses oficiais, ONGs, funcionários de ajuda que estão organizando reuniões e passando papeis, mais do que redistribuindo comida;
A Cruz Vermelha somente doou 80 mil pacotes de comida. Imagine que em um país de milhões, 80 mil é uma gota no mar. Apesar de que receberam mais de 500 milhões de dólares, para onde vai esse dinheiro, em que bolsos pode parar? Os grandes roubos e estafas! Simplesmente anunciam que vai tanto dinheiro para o Haiti; porém, não dizem em que mãos vão parar. Se passam 500 milhões, até que esse dinheiro chegue ao povo nos bairros, creio que serão menos de 50 milhões.
Chury: O que acontece com as Nações Unidas e Banki Moon?
Petras: Bem, a ONU, com as tropas encabeçadas pelo Brasil; porém incluindo aos uruguaios, têm atuado como guardiães dos ricos de lá, protegendo a política estadunidense e agora que o terremoto derrubou o edifício das Nações Unidas, não sei quantos soldados de quais países morreram. Porém, a pergunta é: o que estão fazendo essas tropas durante tantos anos? Por que entraram ao país quando os Estados Unidos derrubaram o presidente eleito Aristide e desde essa época servem como uma guarda repressora de qualquer movimento constitucionalista que tenta reconduzir o presidente Aristide no governo.
Agora mesmo estão voltando a essa função. Os soldados das Nações Unidas não têm feito nada para alimentar o povo e para encontrar cadáveres; somente servem para circular nos bairros populares atirando contra qualquer pessoa ou grupos de pessoas que buscam comida, entrando em algumas lojas que restaram; Porém, nenhuma ajuda humanitária!
Chury: Petras, os Estados Unidos conseguiram um novo lugar para ficar com suas forças militares, certo?
Petras: Sim, por razões de agressão contra Cuba e contra a Venezuela. Essa é a razão estratégica. Têm bases militares em Curaçao, na Colômbia, no Panamá, em El Salvador e agora também tem uma base militar com mais de 20 mil tropas e soldados da Marinha que estão ocupando o Haiti sob o pretexto humanitário.
Não devemos esquecer que utilizaram o pretexto de intervenção humanitária para estabelecer bases militares em Kosovo e, com a quebra da Iugoslávia, aproveitaram para intervir, quebrar o país e conseguir um pedaço de território na parte separatista de Kosovo. Isso de ajuda humanitária é uma velha canção, porque com os militares não é humanitária; é militarista; é imperialista.
Chury: Deixemos por um momento esse tema... Quero perguntar tua opinião sobre o resultado final produzido pelas eleições do Chile...
Petras: Temos que ver o que aconteceu lá. Creio que os jornais falam da popularidade de Bachelet; porém, a realidade é que a figura de Bachelet é uma coisa e a política de concertação e seu governo são outra; porque, na realidade, as desigualdades no Chile cresceram de uma forma muito profunda entre os milionários e os pobres. E o direitista Piñera utilizou essa brecha para castigar o governo. Muita gente pobre votou para castigar a Concertação por não atender as reivindicações populares.
Falam da redução da pobreza; porém, passar da miséria para a pobreza não é um grande salto quando vês automóveis Jaguar e Mercedes Benz passando em frente à casa dos pobres em direção ao bairro alto. As desigualdades são muito profundas no Chile e a arrogância nas classes altas e média alta é um fator emotivo também. Os intelectuais chilenos pretendem que os chilenos são algo especial. Falam: "nós somos europeus" e se esquecem que 50% da população descendem dos Mapuche.
O abuso dos pobres é brutal; a repressão às greves; o assassinato e a prisão devido os protestos populares estão entre os mais brutais em todo o continente. E se vê que existem enormes reservas econômicas acumuladas pelos governos enquanto existe pouco investimento em educação, em pensões, no tratamento familiar, pois há clínicas de saúde mal financiadas com enormes filas de espera.
Tudo isso tem que ser comparado com o discurso oficial que diz que o Chile é próspero; é estável. É um enorme contraste; uma provocação entre as condições populares e o discurso eufórico do governo.
Creio que esses fatores políticos, sociais e psicológicos custaram muito ao governo. As pessoas devem reconhecer que o Chile não é um paraíso para os pobres. Agora, por falta de uma alternativa mais à esquerda, as pessoas votaram à direita -pela Concertação-, ou não votaram.
E vemos que a direita ‘dura’ volta ao poder; porém com um condicionamento, porque o novo presidente eleito diz que vai continuar a política dos socialistas e democratas cristãos. As diferenças na política econômica são mínimas. E sobre a possibilidade de privatizar a única empresa mineradora de cobre importante que resta, sim, existe diferença.
Porém, a política neoliberal que o governo anterior praticava continuará e, por isso, os sorrisos e abraços entre Bachelet y Piñera são entendidos entre si, porque o fato é que as classes dominantes sentem-se seguras tanto com o novo governo quanto com o anterior. Conheço vários empresários no Chile que financiaram a ambos candidatos e quando lhes perguntavam sobre isso respondiam: "para nós, ambos são iguais; estamos comprando seguros; Se um ou outro ganha, dá no mesmo!".
Chury: Petras, acabou nosso tempo. Quero agradecer muitíssimo a precisão de teus comentários. Na próxima terça-feira estaremos em contato de novo.
Petras: Uma coisa mais, Chury: se podem enviar-me as transcrições da semana passada e desta. E outra coisa: os meios estão pedindo ao público canalizar dinheiro para o Haiti. Eu digo que existem muitos estafadores manejando esses fundos; muitas instituições pouco eficazes. Tenho toda a solidariedade com o povo do Haiti e quero que todos colaboremos ao máximo. Porém, atenção! Qualquer dinheiro ou ajuda deve ser canalizados através de instituições não oficiais, porque senão a burocracia comerá 80% dessas doações e contribuições.
Se alguma missão, por exemplo, de organização popular pode levar em mãos a ajuda, os alimentos, ou o que seja, e possa controlar a distribuição diretamente ao povo, de maneira que não passe por dezenas de bolsos, é uma forma de canalizar a ajuda e não simplesmente enviá-la pelas fontes oficiais que, como dizíamos antes, comerão a grande parte dessa ajuda humanitária.
Chury: Perfeito, Petras. Um grande abraço.
Petras: Um abraço.
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* Profesor emérito de sociología en la universidad de Binghamton (N.Y.). Intelectual emblemático de la izquierda estadounidense; miembro de la conferencia ‘antiimperialista’ Axis for Peace (Red Voltaire)
FONTE: Adital, 26/01/2010
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