A classe governante do Haiti ignora a população e
vive só para extrair dinheiro do país,
disse à Folha por telefone
o jornalista e escritor americano Mark Danner,
especialista em questões haitianas.
FOLHA - Por que o presidente René Préval até agora não discursou à nação nem visitou campos de desabrigados?
MARK DANNER - Os governos haitianos nunca foram norteados pelo desenvolvimento nacional. Eles funcionam apenas como mecanismos de extração pelos quais a elite suga dinheiro do país. A classe governante é predadora.
FOLHA - Como assim?
DANNER - Quando era uma rica colônia, o Haiti funcionava com base em grandes latifúndios onde trabalhavam os escravos. Não é por acaso que a distribuição de terra foi um dos pilares da revolução [1804]. Após a independência, o Haiti se tornou uma nação de pequenos plantios e, com isso, a riqueza fugiu do alcance das elites governantes. Para compensar a perda, essas elites passaram a cobrar impostos altíssimos da classe agrícola. O Estado acabou virando a maior fonte de riqueza do Haiti, o que explica em grande parte a instabilidade. Os governos desde então só querem saber de extrair dinheiro do país. E depois que os solos se esgotaram e que o produção agrícola desmoronou, a fonte dessa extração migrou de vez da agricultura para a ajuda externa. Os americanos dizem ter mecanismos para garantir que o dinheiro chegue à população, mas o governo é sustentado pela ajuda internacional. E mesmo quando algum auxílio chega à população, o governo sai ganhando, pois fica isento de certos gastos.
FOLHA - Isso é reversível?
DANNER - Os americanos dirão que, para revitalizar o Haiti, será preciso ir além da simples reconstrução física do país. Não duvido que haverá esforços nessa direção, mas há sinais de que alguns erros do passado continuarão.
Ouvi no rádio, depois do terremoto, um funcionário do governo americano dizendo que uma boa maneira de fornecer ajuda sustentável ao Haiti é dar trigo para os moinhos que o país tem. A ideia seria, segundo o funcionário, incentivar os haitianos a participar do processo.
O problema é que esses moinhos foram construídos na época [do ditador François] Duvalier [1957-1971] com a ideia de aproveitar as sementes de trigo doadas pelos EUA. Mas quem saía beneficiado eram os americanos, que conseguiam escoar o excesso de produção. E Duvalier roubava sementes de todos os moinhos. Além disso, a importação de sementes contribuiu para destruir as plantações de arroz. O Haiti não precisa de pão, precisa de arroz.
Parece que Washington não tem noção do que aconteceu. Americanos têm qualidades, mas a memória não faz parte delas.
Reportagem de SAMY ADGHIRNI
Fonte: Folha online, 18/01/2010
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