quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Avatar e a catarse humana

Carla Regina Calderoni*

O que tem em Avatar de tão extraordinário? Além de relatarem que o filme é maravilhoso, de fotografia esplêndida... em que tem despertado tanta admiração nas pessoas um filme de ficção científica?

Já dizia Moreno (1889-1974), o criador do psicodrama, que desde os gregos, nós, humanos, ao assistirmos a teatros, a filmes, a novelas, podemos nos ligar às cenas que se nos apresentam de forma íntima e sutil. Em algum momento, algo ressoa na alma do espectador, tendo efeitos catárticos.

Instiguei-me com as possíveis ressonâncias que o filme tem trazido e que vão além de suas atrações estéticas tecnológicas.

Avatar, fundamentalmente, mostra a condição humana em sua relação com a natureza. Na lua Pandora, rica em florestas, onde habitam os Na’Vi, existe um minério precioso que os humanos procuram e que está num importante local: abaixo de uma árvore de valor inestimável para os Na’Vi. No entanto, os humanos estão longe de reconhecer o verdadeiro valor da árvore. Seu valor religioso. No sentido original ao qual a palavra religião nos remete: religare. O valor de re-ligar o homem à natureza. Portanto, o mundo em que habitam os alienígenas é um mundo de religação com a natureza. A religação acontece literalmente em diversas cenas do filme, pois os Na’Vi possuem tentáculos nas extremidades de suas tranças que se ligam noutros tentáculos de outros seres da natureza. No momento da ligação, o que antes era estranho, agora fica em mútuo entendimento.

O filme apresenta duas distintas maneiras de relação com a natureza: a maneira Na’Vi no modo “re-ligare” e a maneira humana, no modo “des-ligare”, de exploração sem limites.

Os humanos não encontram compatibilidade no ambiente alienígena, mas sua tecnologia propicia que avatares de humanos sejam criados e pessoas passam a habitar alternadamente os dois mundos. Para que o humano adentre Pandora, ele deve se desligar do estado desperto e transferir sua alma para seu avatar e, como num sonho, experiencia o mundo da religação. Por outro lado, quando seu avatar dorme, o humano desperta para seu mundo original. O filme, então, nos apresenta duas facetas do homem moderno: o explorador (humano) e o cuidador (alienígena). O mundo do cuidador é um mundo alcançado somente em sonho. O mundo do explorador é o mundo “real” do humano.

Em meio às expedições para encontrar o minério, houve um homem que, ao encarnar seu avatar, fora “escolhido” para fazer parte do povo nativo. Dizia-se dele “ignorante como uma criança, mas com um coração forte”. Conforme sua “re-ligação” acontecia, o mundo dos Na’Vi passou a ser o mundo real e o mundo humano lhe perdeu o sentido. Essa religação só é possível para aquele que não é mais humano e, sim, o habitante de um mundo disposto a estabelecer uma relação de respeito com a natureza.

Ao final, a conversão definitiva, de humano para Na’Vi, foi possível e aí está o efeito catártico principal: é viável a conversão humana, porém, talvez tenhamos de ser “ignorantes como uma criança, mas com um coração forte”. Nesse sentido, levanto a hipótese de que o filme nos fascina e é catártico, não somente por seus brilhantes efeitos tecnológicos e fotografia, mas também por enxergarmos em suas cenas nosso aspecto (des)humano explorador e sem possibilidades de continuar caminhando com as próprias pernas (do jeito que está não dá para andar mais). E a esperança, mesmo que distante, de nosso ser cuidador, ainda um alienígena, mas desejoso de ser convertido, nos “re-ligar” à natureza, estabelecendo uma nova relação.
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*Carla Regina Calderoni é psicóloga, psicoterapeuta, filiada à Sociedade de Psicodrama de São Paulo
Fonte: Correio Popular online, 21/01/2010 -
 http://cpopular.cosmo.uol.com.br/mostra_noticia.aspnoticia=1671056&area=2190&authent=4DC9E6076E9DD2755BDE95560FEAE7 

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