quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Os haitianos ricos saem quase imunes



Conforme se sobe pela colina de Montagne Noire, no distrito de Pétion Ville, vão ficando para trás o pó, a miséria e a morte que cercam Porto Príncipe. Pelo caminho, se vê algum encanamento quebrado, e as pessoas aproveitam para assear-se. Mas para os mais ricos da capital do Haiti, o terremoto mal os afetou.

No alto de Montagne Noire se encontra o hotel Ibo Lelé. Sua diretora, Elsa Baussan, é também vizinha do bairro. "Nesta zona não há quase nenhum edifício afetado. E em nosso hotel, nenhum dano", relata. "O armazém estava cheio e não notamos escassez de nenhum produto até agora. Mas não sei se começaremos a notar mais adiante, porque não estamos recebendo abastecimento".
O esposo de Baussan, Noel Godulons, mostra-se muito crítico com a ajuda dos norte-americanos: "Querem monopolizar tudo. Se apossaram do aeroporto e só deixam aterrissar seus aviões. Pelo visto, um avião russo teve que ir embora sem aterrissar porque eles não o deixaram".
Elsa Baussan lamenta que até agora não haja nem Governo nacional nem ajuda estrangeira na rua. "Se veem passar os caminhões da Cruz Vermelha, mas não se vê nenhum dando nem sequer água. E os cadáveres, cada um os enterra como pode. Na casa da minha mãe, em outro bairro, morreram sete pessoas, e, quatro delas, tivemos que enterrar no jardim", se lamentava.
Que está fazendo a classe alta do Haiti pelos seus compatriotas afetados?
"Muitas coisas. Você sabe quantos funerais dos meus empregados eu paguei? Isso é uma ajuda, mas não se vê".
Quantos funerais você pagou?
Nem sei. Tenho 70 empregados, mas agora mesmo nem sei. Meu contador me dirá quando isso passar. Primeiro é preciso fazer a omelete e depois contar os ovos. Fazemos o que podemos, mesmo que também estejamos afetados. Meu sobrinho perdeu três de seus armazéns. E meu cunhado, que é o dono da Pepsi-Cola no Haiti, está dando os refrigerantes. Pedi para o hotel e ele me disse: "Se te dou algo, você vai vender, e tudo o que tenho agora é para dar".
As crianças dos ricos, assim como os pobres, não têm escola em Porto Príncipe. "Mesmo que eles estejam ilesos e os colégios privados sem danos, não é possível dar aula com a miséria que há por aí fora", reconhece Baussan.
Os postos de gasolina se encontram abarrotados de motoristas. É preciso esperar mais de duas horas para encher o tanque. Mas os ricos podem driblar ao obstáculo pagando mais nos postos do mercado negro para abastecer-se de combustível.
No bairro limítrofe de Morne Calvaire, o diretor do Haiti Business, a única revista de negócios do país, Claude Cadiot, comenta que ele teve a imensa sorte de estar em Paris quando aconteceu o terremoto.
"Mas agora estou ligando para mais de 200 clientes que se anunciam em minha publicação para ver quem morreu e quem não morreu. Pelo que estou vendo, a maioria teve sorte", explica.
Há pequenos incômodos que alterarão durante algum tempo a vida dos ricos. A famosa galeria de arte Nader, que aparece em todos os guias de viagem como centro da melhor pintura haitiana, fechou suas portas nestes dias.
O campo de golfe Pétion Ville Club se encontra tomado desde sábado por 300 marines dos Estados Unidos. E têm intenção de seguir, por um bom tempo, instalados ali.
O Instituto de Dança Lynn Williams Rouzier também paralisou suas atividades, mesmo que o edifício permaneça intacto. Mas a vida continua no alto das colinas mais altas de Pétion Ville, onde só faz sentido viver se se possui um bom carro. Os tiros e os distúrbios da rua que se suscitam pela fome nunca chegam até ali.

A reportagem é de Francisco Peregil, publicada pelo jornal El País, 19-01-2010. A tradução é de Vanessa Alves.
Postado no IHU online, 20/01/2010

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