sábado, 23 de janeiro de 2010

Traição: novo menu

Joaquim Zailton Bueno Motta*


Nos últimos três meses, a mídia da França, logo seguida pela europeia e das Américas, vem destacando o trabalho revolucionário da psicóloga, escritora e educadora da Universidade de Paris VII, Maryse Vaillant. Trata-se de autora respeitada no circuito intelectual francês, com várias publicações ligadas à adolescência, conflitos de gênero, casal e família. Uma das mais conhecidas aqui no Brasil é a recente edição em língua portuguesa (2009) de Como amam as mulheres: do desejo e dos homens (do original francês Comment aiment les femmes: du désir et des hommes), em que ela capta aspectos fundamentais da alma feminina: construir, sustentar, edificar e conduzir o crescimento do ser humano.

O seu mais recente livro é o foco das reflexões de hoje. Les hommes, l’amour, la fidélité (Os homens, o amor, a fidelidade), lançado na França em outubro — ainda não tem edição no Brasil —, traz ao debate alguns tópicos decisivos sobre os desejos e comportamentos masculinos.

As primeiras impressões sobre as ideias de Maryse Vaillant supõem que ela tem algum compromisso com os homens. Já houve quem a caricaturou como “transexual do intelecto”, acrescentando: “quem escreveu isso é homem — nenhuma mulher diria essas coisas”. De outro ângulo, há mulheres e homens bem esclarecidos valorizando e avalizando cabalmente os seus comentários.

Em cinco itens, temos um resumo dos pontos importantes e mais polêmicos do que a autora diz:

1 - a maioria dos homens precisa de “seu próprio espaço”; para eles “a infidelidade é quase inevitável”.

2 - as mulheres podem ter experiência “libertadora” ao aceitar que pactos de fidelidade “não são naturais, mas culturais”.

3 - a infidelidade é “essencial para o funcionamento psíquico” de muitos homens que não deixam por isso de amar suas mulheres.

4 - a infidelidade masculina é boa para o casamento.

E, para arrematar: 5 - os homens que não têm casos extraconjugais podem ter “uma fraqueza de caráter”.

O romance convencional de amor pede concentração sentimental em uma pessoa, com dedicação exclusiva, fidelidade irrestrita. A capacidade romântica é de ordem predominantemente feminina, o que identifica mais as mulheres com essa forma de amar, mas não libera os homens do compromisso. As mulheres tentam ensiná-los, pois acham que eles devem amar como elas, mas as lições não surtem um efeito resoluto.

Reforçando as convenções, os ditames moralistas tradicionalmente apontam: os infiéis é que são os fracos de caráter... E agora?

A prática nos evidencia que há um acordo tácito entre os pares, de modo que a maioria dos homens trai e as respectivas mulheres se omitem. Também elas se protegem com uma peculiaridade mágica: sabem que eles em geral são infiéis, observando que irmãos, primos, sócios, colegas de trabalho e amigos variam de parceiras, mas cada uma faz a reserva para si: “o meu não é como os outros, ele é fiel!”...

À medida que se confirmem as ideias da autora, entendo que os contratos entre heterossexuais devem ser profundamente revisados, visto que a poliginia é da natureza masculina, que muito dificilmente os homens amarão como as mulheres. E caracterizar-se que a fidelidade do homem é possível em raras circunstâncias: quando ele está no enlevo inicial da paixão (só tem olhos para a amada); para aquele homem que se exige asceticamente ser fiel (por força religiosa, mérito moral não impostado); e se ele reconhece desejar outras, mas quer oferecer exclusividade para a companheira sem revelar essa oferta (uma reserva de alta inspiração romântica — ela tem a fidelidade dele sem a obrigação formal).
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*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
Fonte: Correio Popular - 23/01/2009 - http://cpopular.cosmo.uol.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1671347&area=2190&authent=5FEBC4357F8CC26779FCA7471EFAF5 

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