Christopher Hitchens*
Em uma recente reportagem publicada pelo The New York Times sobre as discussões internas do governo de Barack Obama sobre o Irã, surgiram alguns parágrafos que valiam um exame mais próximo. “Os assessores de Obama dizem que não acreditam mais na descoberta de um Relatório de inteligência nacional sobre o Irã, publicado um ano antes de o presidente George W. Bush deixar o cargo, dizendo que os cientistas iranianos terminaram o trabalho do projeto de uma ogiva nuclear no fim de 2003.
Depois de examinar novos documentos que vazaram do Irã e ouvir desertores atraídos para o Ocidente, os assessores de Obama acreditam que os trabalhos para projetar armas continuam, em menor escala.”
Deixando de lado a possibilidade alarmante de que alguém do pessoal de Obama, em alguma hora, tenha acreditado nos argumentos absurdos daquele relatório, é preciso perguntar que tipo de escala está sendo entendida como “menor escala”. Os “novos documentos” a que o NY Times faz referência foram publicados pelo londrino The Times na segunda e na terceira semana de dezembro e examinados por muitas autoridades – nenhuma questionou sua autenticidade. E os documentos realmente lançam uma luz sobre alguma coisa “em menor escala”. Mostram memorandos internos da ditadura que tratam sobre um “iniciador de nêutron”. Por menor que esse dispositivo possa ser, é a expressão técnica do “gatilho” de uma arma nuclear. O elemento crítico para o “gatilho” é o deuterídio de urânio, ou UD3. E deuterídio de urânio não serve para mais nada. Para citar David Albright, presidente do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional, em Washington: “Apesar de o Irã afirmar que esse trabalho tem fins civis, não há nenhuma aplicação civil. Isso é um indicador muito forte de que estão trabalhando em armas”.
É “fascinante” observar essa ameaça se aproximar diante
da passividade do Ocidente com Teerã
O teste desse gatilho não pode ser justificado como uma detonação de uma arma convencional. Em outras palavras, ele permitiria que os monitores detectassem os vestígios de UD3. Todo o interesse dos documentos vazados recentemente repousa na forma com que um novo nível de trapaça é discutido tão cuidadosamente. Um teste em menor escala, segundo os cientistas do regime, pode ser tentado usando deuterídio de titânio. Assim, um fluxo de nêutrons útil poderia ainda ser produzido, mas sem os vestígios de elementos incriminadores. Aparentemente a ideia, segundo um especialista citado, era “testar o palito de fósforo sem queimá-lo”.
As chances de que isso não tenha uma intenção militar e messiânica com vistas a fortalecer a carapaça da ditadura são próximas de zero. O Irã recebeu incontáveis ofertas do Ocidente para ajudá-lo a obter as capacidades de energia nuclear pacífica e reduzir o desperdício no uso do petróleo e gás. Se fosse possível um mínimo de transparência, isso poderia permitir a compra de urânio a um preço muito menor no mercado aberto, como outros países fazem. Mas os mulás preferem arriscar o isolamento e sanções para construir instalações extraoficiais e conduzir operações de despistamento. Eles também não se dão ao trabalho de esconder suas intenções de seus clientes e representantes: em um comício do Hezbollah em Beirute, no Líbano, no ano passado, fiquei impressionado ao ver que o novo pôster do partido é um cogumelo de fumaça; funcionários da embaixada iraniana estavam no palanque do evento.
É “fascinante” ficar sentado em casa e observar essa ameaça perto de chegar ao ponto em que não há volta. É quase tão emocionante quanto seguir os itinerários de assassinos suicidas conforme eles vão comprando suas passagens só de ida, em dinheiro, em aviões com destino a cidades americanas. A semelhança entre essas duas experiências passivas é também bastante fascinante: nos dois casos, são derramados bilhões de dólares em agências de inteligência que não conseguem chegar a uma conclusão sobre evidências forenses elementares, pedem desculpas aos inimigos e tratam os americanos como criminosos quando tentam viajar. Nesse mundo da burocracia, ao que parece, ninguém pode ser despedido.
*É escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Fonte: ÉPOCA online, 15/ 01/2010 - Edição nº 609
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