Conceição Freitas
Perguntei a uma amiga, das mais lúcidas, por que ela não criava um blog. Ela respondeu: “Pra quê? Pra ter razão?”
Genial, não?
Na era da comunicação virtual, de dedinhos sempre prontos pra dar opinião em tudo, defender ou acusar este ou aquele, isto ou aquilo, ficou quase obrigatório que cada ser humano pensante tenha seu próprio blog, seja seguido no Twitter e se incorpore ao Facebook para que, finalmente, possa ter razão.
É perturbadora a ideia de que eu não preciso ter razão ou de que, em tendo razão, não preciso sentir necessidade de desfraldá-la em praça pública para que todos apreciem a belezura dos meus arrazoados e passem a seguir a Senhora Razão por onde ela for.
Há uma admirável liberdade em não precisar sair em busca de ter razão. Mas, afinal, o que é mesmo a razão? Houaiss abre o caminho: Razão, palavra do século 8, “é a faculdade de raciocinar, de apreender, de compreender, de ponderar, de julgar”. Razão “é a inteligência”. Razão também pode ser “a capacidade de avaliar com correção, com discernimento”. Razão é “bom senso, juízo”. Razão também é um recurso para “convencer alguém, para alterar-lhe a opinião ou o comportamento”.
No campo da filosofia, razão é “a faculdade intelectual e linguística que distingue o ser humano dos outros animais”. É também da filosofia um outro conceito de razão: “Faculdade humana da linguagem e do pensamento, voltada para a apreensão cognitiva da realidade, em contraste com a função desempenhada pelos sentidos na captação de percepções imediatas e não refletidas do mundo externo”.
No mundo sob o domínio da razão, todos querem tê-la para si e exibi-la para os outros.
É difícil aceitar, mas ninguém é dono da razão. Os grandes filósofos, os grandes pensadores, percorreram (e percorrem) caminhos intrincados para chegar o mais perto possível do entendimento racional do que é ser humano e de qual o sentido de sua existência. É esse o sentido da filosofia: buscar um sentido que não existe. O sentido é a busca em si mesma.
Há tantos caminhos de busca de sentido quanto bípedes viventes sobre a Terra. É terrível a solidão de cada um de nós na construção das razões das quais precisamos para dar força no par de pernas que nos sustenta. Ao mesmo tempo, o ser humano precisa do outro, do olhar do outro, da troca com o outro, do acolhimento do outro. Precisa desesperadamente. Porém, cada um de nós tem um conjunto de arrazoados único. Que pode até coincidir com o arrazoado do outro em alguns momentos, em algumas questões, por algum tempo.
Então, quando minha lúcida amiga conclui que não precisa ter razão — a razão pública, virtual — ela está dizendo, creio eu, que abdicou da ilusão de que a sua razão é a única, a verdadeira, a derradeira, a que será imposta aos demais. A razão dela, quando ela necessitar de uma, é só dela. Pode servi-la por algum tempo, até que ela descubra que não tinha razão. E isso, ao fim e ao cabo, tem muito pouca importância.
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Fonte: Correio Braziliense online, 24/01/2010
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