Martin Amis (foto) passou os últimos meses concluindo "The Pregnant Widow" [A viúva grávida], um dos seus romances mais ambiciosos e certamente entre os mais esperados do ano. O livro, que é ambientado na Itália dos anos 60, na região rural da Toscana, assume o título de uma frase de Alexander Herzen.
A reportagem é do jornal La Repubblica, 18-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo Herzen, a revolução, no momento em que mata um regime, sem dar vida a um novo, gera uma viúva grávida. O assunto é o da revolução sexual, e a "viúva grávida" do livro é o feminismo. Porque a revolução sexual foi uma ocasião desperdiçada: seria melhor, como ele declarou, "que o mundo fosse dirigido pelas mulheres". Não foi assim, justamente. "Mas eu me considero um escritor feminista", explicou. Uma mudança, acolhida já com grandes elogios pela crítica inglesa.
Amis, que superou há pouco tempo os 60 anos e voltou a viver estavelmente em Londres depois de um período de mais de dois anos no Uruguai, sempre se distinguiu pela clareza com que expressou suas próprias convicções e a rejeição a toda atitude politicamente correta.
Quem o conhece sabe bem que se trata de algo que vai bem além do gosto pela provocação, mas no passado ele foi repetidamente acusado de misoginia, cinismo e, nos últimos tempos, também de racismo e islamofobia. Acusações às quais o escritor rebate ponto por ponto, convidando a não ter medo das próprias ideias e a aprofundar a reflexão política e social, mesmo quando leva a conclusões embaraçosas e desagradáveis.
Mas se o intelectual militante continua causando polêmicas e gerando hostilidades, os seus livros, com a possível exceção de "Yellow Dog" [Cão amarelo], foram acolhidos sempre como um evento.
Hoje, Amis reage com uma ponta de cansaço quando lhe lembramos que ele foi um "enfant prodige" da literatura mundial e fala com prazer sobre autores que ama e sobre cinema, que ele considera, sem rodeios, como uma forma de arte menor em comparação à literatura. "Eu acredito que o cinema é inigualável no que se refere às cenas de ação", explica na sua bela casa londrina, "e em geral a tudo o que se refere a toda ação externa. Pelo contrário, no que se refere à intimidade e a todo desenvolvimento psicológico, a sugestão e o poder da palavra escrita são outra coisa bem diferente".
Eis a entrevista.
O que representa a maior ameaça para a linguagem da palavra?
A ignorância. Eu não sou apocalíptico com relação às novas linguagens e às novas formas de expressão. Porém, considero que a falta de cultura e de preparação pode transformar toda oportunidade em um perigo. Um belo filme nunca prejudicará um belo romance, mas é necessário ser capaz de saber apreciar um e outro. E saber desfrutar as respectivas linguagens.
Quais são os livros mais importantes dos últimos anos?
Devo admitir que leio pouca literatura de hoje e considero que a opinião nunca deve ser contemporânea. Sei que pode parecer uma forma de não responder, mas me pergunto sinceramente quantos dos romances aclamados e imitados sobreviverão ao tempo? Posso dizer que passo sempre mais tempo na companhia dos clássicos.
O que podemos aprender ainda com os clássicos?
Os clássicos são clássicos porque estão fora do tempo e são capazes de falar daquilo que ocorre sempre, e portanto também hoje. Também existem, obviamente, clássicos modernos. Penso em alguns escritores de uma geração anterior à minha, como Saul Bellow: um livro como "As aventuras de Augie March" certamente é um clássico, e poderia dizer o mesmo de "Desespero", de Vladimir Nabokov. Mas quero citar também um clássico mais recente e um da antiguidade, com os quais se pode aprender muito: "Rumor branco", de Don DeLillo, e "As metamorfoses", de Ovídio.
Pode citar também um clássico do cinema que o senhor goste e ao qual assiste novamente com frequência?
"Touro indomável", de Martin Scorsese. Um filme extraordinário.
Qual é a sua opinião com relação ao Kindle e aos e-books?
Acredito que nunca é preciso ter medo das oportunidades, mas, ao mesmo tempo, é necessário saber enfrentá-las com preparação. E admito que sou sentimental com relação ao clássico livro de papel. Amo a sua fisicidade, o poder escrever notas, dobrar um canto da página para lembrar até onde se chegou na leitura. Sei muito bem que as tecnologias também estão buscando ir ao encontro desse aspecto, mas se trata de algo intimamente ligado à formação cultural de milhões de pessoas. Eu acho que o cérebro do homem de letras, e por extensão do leitor, funciona de maneira organicamente diferente daquele que utiliza o computador. Mas sei também que as novas gerações adquiriram com naturalidade essas tecnologias, e que aquilo que nos parece revolucionário se tornará absolutamente normal.
O senhor considera que é impossível fugir ao fato de escrever sobre si mesmo?
Não é nem possível nem desejável. Uma coisa que devemos aceitar é que não é possível desaparecer. Acrescento que o prazer da leitura caminha ao lado do da escrita.
Um tema recorrente dos seus livros é o sexo.
É um assunto central da existência, e, obviamente, nesse caso, não estou falando só de mim mesmo. Trata-se de um argumento que é difícil tratar com eficácia, sinceridade e inteligência.
Na juventude, o senhor professou ideias extremamente liberais. Agora, os liberais lhe atacam. Foi o senhor que mudou ou são eles que se tornaram mais firmes?
Eu acho que fui coerente à minha ideia de liberdade e combati, de algum modo, toda forma reacionária e ditatorial. Acrescento que existe uma forma de ditadura insidiosa e também difundida, que pode se tornar democracia. Trata-se da ditadura ideológica.
O seu trajeto intelectual tem mais de uma semelhança com o de seu pai, Kingsley, que, como comunista, tornou-se simpatizante de Thatcher.
Falei muito sobre o itinerário cultural e político do meu pai, seja no meu livro de memórias "Experiência", seja em "Koba, o terrível", dedicado às atrocidades do stalinismo e à paralela e gravíssima cegueira de um mundo intelectual. Procurei fazer isso com sinceridade, e não é nenhum segredo que também para ele, quando estava vivo, não faltaram polêmicas. Posso responder dizendo que, crescendo, alguns trajetos parecem inevitáveis, e cada um deve responder só à sua própria consciência.
O escritor e o artista em geral estão, por definição, na oposição do governo do país em que vivem?
No meu modo de ver, o escritor sempre deve se sentir absolutamente independente de todo tipo de regime. Não existe governo que possa satisfazer as exigências de mentes sofisticadas.
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