sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Um filósofo da razão e da fé



A eleição de Jean-Luc Marion (foto) à Coupole [sede da Academia Francesa] não foi uma surpresa, não só porque já se sabia que ele era muito próximo do cardeal Jean-Marie Lustiger ao qual sucede, mas porque poucas obras são hoje capazes de competir com a sua e receber uma honra tão alta como essa acolhida solene.
A reportagem é de Marcel Neusch, publicada no jornal La Croix, 21-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Da sua tese "Sur l'ontologie grise de Descartes" (Ed. Vrin, 1975) até a recente coleção de artigos "Le croire pour le voir" (Ed. Parole et Silence, 2010), ele publicou mais de 20 títulos, a maior parte deles traduzidos, também para o japonês, russo e até chinês.
Co-fundador da revista católica internacional Communio, um dos seus temas preferidos é a relação indissolúvel entre razão e fé. Nunca admitiu a sua separação. "Talvez, pode-se perder a fé – escreve –, mas certamente não porque se ganha em razão". Pelo contrário, a razão só pode perder racionalidade excluindo a fé e o campo que ela abre, isto é, a Revelação.
Na época do niilismo, não é a fé que corre o risco de se perder, mas sim a razão. "Nós perdemos a razão perdendo a fé". Essa já era a tese de "O ídolo e a distância". Que Nietzsche fale da "queda dos ídolos", ou Hölderling do "retiro dos deuses", eles indicam a condição necessária para o advento de um "Deus mais divino".
Então, como dizer Deus? Em "Dieu sans l'être" (Ed. Fayard, 1982), título de sucesso, Jean-Luc Marion abordava o declínio do discurso metafísico sobre Deus, mas sem colocar a razão fora de ação. Ela mantém todo o seu espaço, não para provar a existência de Deus, o que a levaria a fabricar novos ídolos, mas para acolhê-lo como ele se revela. "Deus pode se fazer pensar sem idolatria somente a partir de si mesmo".
O lugar de um pensamento justo sobre Deus não é outro que a sua revelação em Jesus Cristo, "ícone do Deus invisível". O ícone não reduz a distância, mas a aprofunda. "O visível não se apresenta aqui, mas sim em vista do invisível".
Trata-se portanto de pensar Deus fora das categorias do ser, o que exige uma outra lógica: uma metafísica da caridade. Ela é, segundo Pascal, da ordem do "coração", da caridade e da santidade (em oposição à ordem dos corpos e o da inteligência). "Nessa ordem, só vemos se dispusermos do significado apropriado, a própria caridade. E só dispomos dela se a acedemos assim como ela se doa, por meio da fé. Para ver, é preciso crer, mas crendo fazemos apenas uma obra de razão. De uma grande razão (Nietzsche), é verdade, portanto ainda mais de uma razão".
"Qual é o lugar em mim onde o meu Deus pode vir?", perguntava Santo Agostinho. Na sua releitura das Confissões, "Au lieu de soi" (Ed. Puf, 2008), Jean-Luc Marion mostra que, diferentemente do "Cogito" cartesiano, centrado sobre si, a confissão se amplia logo a Deus: o "si" não se torna "si" mesmo, a não ser por meio de um outro.
Assim, no início do pensamento, não há o "si". "'Eu' não é o primeiro a vir". Só Deus fixa as condições de Deus. Tornando-se visível no Crucificado, revelou-se como dom. Se a razão pode chegar à ideia de dom e doação, resta dar o passo para reconhecer o doador. É o axioma de Santo Agostinho que se impõe para conduzir o espírito. "Compreender é a recompensa da fé".
No que se refere aos procedimentos filosóficos colocados em ação por Jean-Luc Marion, e por outros, Dominique Janicaud falou de uma "reviravolta teológica da fenomenologia francesa" (Ed. L'Eclat, 1991), isto é, de uma subtração da razão em benefício da fé.
Independentemente disso, Jean-Luc Marion reivindica o título de intelectual católico "a serviço da racionalidade na Igreja". O seu papel consiste em um "trabalho de argumentação a partir da revelação. Trata-se de um novo esforço de racionalidade cristã para intervir na racionalidade comum. Os intelectuais entre os batizados se definirão pela contribuição que aportem".
É também sob esse título de intelectual católico que Jean-Luc Marion merecia ganhar um lugar entre os Imortais.

FONTE: IHU online, 22/01/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário