quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um termo atraente por trás de um desafio global

Martin Wolf*


A invenção dos Brics por Jim O´Neill, do Goldman Sachs, foi um golpe de marketing de gênio. Mas terá relevância analítica? Minha resposta é: não e sim.
Não, pois as quatro economias praticamente nada têm em comum, à parte o fato de nenhum país ser de alta renda.
Sim, pois a noção captura uma realidade da nossa era, que é de crescimento sustentado para "fechar distâncias" por vastas partes do mundo em desenvolvimento.
China e Índia são de longe os países mais populosos do mundo, com 1,34 bilhão e 1,18 bilhão de habitantes em meados de 2009, respectivamente. Os EUA, terceiro colocado, têm 308 milhões. Pelos padrões dos gigantes asiáticos, o Brasil (193 milhões), e a Rússia (142 milhões) são minúsculos.
A China é atualmente a "fábrica do mundo", um colosso com investimento e crescimento elevados, dotada de uma poderosa posição competitiva em bens industriais.
A economia do país também é muito mais aberta que a da Índia: em 2006, ano anterior à eclosão da crise financeira, a parcela do comércio de mercadorias em relação ao PIB da China foi de 67%, ante 32% para a Índia. A Índia é relativamente mais forte em serviços intensivos em mão-de-obra qualificada: o quociente do comércio em serviços em relação ao PIB foi de 15%, contra 7% para a China.
O Brasil tem uma economia muito mais fechada que esses dois gigantes asiáticos, com um índice de exportação de mercadorias em relação ao PIB de meros 22% em 2006 e índice de exportação de serviços de 5% do PIB. Metade de suas exportações foram alimentos e matérias-primas. Quanto à Rússia, em 2006, os produtos industriais representaram menos de um quin-to das exportações. O país é exportador de combustíveis e minérios.
No entanto, é no tamanho, dinamismo e impacto que as diferenças são mais acentuadas. De acordo com Angus Maddison, o historiador da Economia, a parcela da China na produção mundial pelo poder de paridade de compra (PPP) aumentou de 8% em 1980 para 17% em 2006. Mas então, a parcela da China na produção dos Brics foi de 61%, uma alta na comparação com os 42% de 1990.
Nem Brasil ou Rússia obtiveram um aumento substancial nas suas parcelas do PIB mundial ao longo desse período. Mesmo a ascensão da Índia foi modesta - um aumento, de 4% em 1990, para 6% em 2006. A história, portanto, tem se resumido à ascensão das duas gigantes asiáticas e, especialmente, da China. Mas "IC" teria sido um termo muito menos atraente.
No entanto, a noção dos Bric efetivamente captura a realidade de um deslocamento do poder, dos antigos países desenvolvidos, especialmente Europa Ocidental e Japão, para os "países emergentes". A crise financeira acelerou essa mudança.
A China, acima de tudo, e também a Índia, até certo ponto, sobreviveram ilesos à crise. Em 2009, de acordo com a mediana das projeções de dezembro, a economia da China cresceu 8,5%, e a da Índia, 6,6%. Mas a do Brasil estagnou, e a da Rússia encolheu 7,9%. Para 2010, as projeções são de crescimento de 9,6% na China, 7,7% na Índia, 5,1% no Brasil e 4,1% na Rússia.
No entanto, será que esses países podem transmitir dinamismo ao mundo como um todo? A resposta, à primeira vista, parece ser sim. Até 2008, o PIB combinado dos Bric, em dólar, já representava 60% do PIB dos EUA e 14% do número global, com a China gerando metade desse total.
O Goldman Sachs afirma que os Bric contribuíram com quase 30% para o crescimento global, em dólar, entre 2000 e 2008, e com 45% desde o começo da crise, em 2007.
Isso, sem dúvida, se intensificará com o tempo. No entanto, a quase totalidade desse crescimento ocorrerá dentro desses países. O estímulo líquido à demanda conferido ao resto do mundo depende de uma queda nos superávits dos seus saldos comerciais ou de um aumento nos seus déficits.
A China é, mais uma vez, o único Bric capaz de chegar a tanto.
Mesmo assim, o estímulo líquido transmitido entre 2008 e 2009 foi de menos de 0,2% do PIB do resto do mundo.
Apesar disso, os Bric, e acima de tudo a China, deverão desempenhar um papel importante na geração de um crescimento mais equilibrado na demanda por toda a economia global.
Este é um dos muitos desafios que a nova engrenagem de formulação de políticas do mundo deverá equacionar. Se a atenção prestada ao conceito dos Bric conseguir fazer as autoridades se concentrarem nessa tarefa, terá valido a pena.
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*Financial Times
Postado por VALOR ECONÔMICO online, 20/01/2010

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