segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O desarmamento nuclear

José Goldemberg*

Em 6 de agosto de 1945 um único avião lançou sobre Hiroshima, no Japão, uma bomba atômica que provocou a destruição que mil aviões de bombardeio com 50 toneladas de explosivos (e bombas incendiárias) causariam, matando cerca de 140 mil pessoas (civis, e não combatentes). Três dias depois outra bomba arrasou Nagasaki.

Os Estados Unidos, na época, acreditavam que conseguiriam manter o monopólio da posse de armas atômicas por muitos anos, o que não ocorreu. Apenas três anos depois, em 1948, a União Soviética produziu bombas com poder explosivo maior do que a bomba de Hiroshima, o que foi também conseguido logo após pela Inglaterra, pela França e, depois, pela China.

A corrida armamentista nuclear que se seguiu foi baseada na teoria da "destruição mútua", em que cada uma das potências nucleares (principalmente Estados Unidos e União Soviética) garantia sua segurança ameaçando seus adversários de destruição, caso fosse atacada com essas armas. Segundo alguns analistas, foi essa política de "deterrência" que impediu que a guerra fria se transformasse numa guerra nuclear, que provavelmente destruiria a civilização moderna como a conhecemos. Só para dar uma ideia de quão real seria essa possibilidade, mais de mil testes nucleares foram feitos antes que fossem proibidos por tratado internacional, uma vez que estavam "envenenando" a atmosfera com substâncias radioativas.

O horror causado pela destruição de Hiroshima e Nagasaki, no entretanto, deu início a um amplo movimento para a eliminação das armas nucleares. Antes disso, os próprios cientistas que as construíram haviam proposto ao governo dos Estados Unidos que não fossem utilizadas. Essas propostas não só foram ignoradas, mas ridicularizadas como provenientes de pacifistas ingênuos que não entendiam a realidade dos confrontos internacionais.

Decorrido mais de meio século, eis que surge nos Estados Unidos uma nova proposta de eliminação das armas nucleares, desta vez feita não por pacifistas, mas por experimentados "guerreiros" da guerra fria, como Henry Kissinger, ex-secretário de Estado, e William Perry, ex-secretário de Defesa, além de outros.

O que Kissinger e outros estão propondo agora é o que o Brasil e a Argentina fizeram em 1992, e que é frequentemente citado como um bom exemplo de como resolver o problema da competição nuclear: os dois países abandonaram programas de desenvolver armas nucleares porque decidiram que poderiam garantir melhor sua segurança com vizinhos que não possuíssem essas armas.

A motivação da proposta de Kissinger, considerado um "realista", é a seguinte: do ponto de vista técnico, é impossível impedir a proliferação das armas nucleares e eventualmente elas cairão nas mãos de países com governos problemáticos e até de terroristas, que não hesitarão em usá-las. Durante a guerra fria, os grandes adversários, Estados Unidos e União Soviética, possuíam estoques de mais de 50 mil bombas nucleares, muito mais poderosas do que a que destruiu Hiroshima, mas o papel delas era convencer o adversário de que não deveria usá-las, ou seja, elas eram, na realidade, "armas de dissuasão", que, efetivamente, nunca foram usadas. A "dissuasão", contudo, não se aplica a grupos terroristas, que não têm nada a perder, uma vez que não representam nações, cujos governantes hesitariam em usar armas nucleares sabendo que suas cidades seriam arrasadas em retaliação.

As grandes potências ? Estados Unidos, União Soviética (hoje Rússia), Inglaterra, França e China ? tentaram em 1968 evitar a proliferação nuclear a outros países, por meio do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Uma das premissas básicas desse tratado era a de que os "países não-nucleares" (na época) não desenvolveriam armas nucleares em troca do direito de desenvolverem energia nuclear para fins pacíficos, para o que poderiam contar com a ajuda tecnológica dos países nucleares (artigo IV).

Os que desenvolvessem armas não teriam essa ajuda e a Agência Internacional de Energia Atômica foi encarregada da fiscalização, para que isso não ocorresse. O recente acordo dos Estados Unidos com a Índia, promovido pelo governo Bush, desmoralizou essa premissa. A Índia desenvolveu armas nucleares e está recebendo ampla ajuda nessa área. É evidente que os outros países, como o Paquistão, estão reivindicando igual tratamento e até o Irã tem utilizado o artigo IV do TNP para justificar seus esforços para desenvolver um projeto de enriquecimento de urânio em grande escala. Como compensação, os "países não-nucleares" signatários do TNP receberam ? ao abrirem mão do desenvolvimento de armas nucleares ? a promessa de que os países que possuíam tais armas iniciariam "logo" negociações "em boa-fé" para cessar a corrida atômica e promover o desarmamento nuclear (artigo VI). Essa promessa nunca foi cumprida.

Esperar, portanto, que o TNP impeça completamente a proliferação de armas nucleares a outras nações não é uma opção muito realista. Uma solução mais pragmática seria eliminar as armas nucleares, proibir seu uso e reduzir, assim, os estímulos para obtê-las. Essa, em poucas palavras, é a proposta de Kissinger e seus colegas.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua campanha eleitoral prometeu eliminar armas nucleares a "médio prazo", bem como reduzir a "curto prazo" ? conjuntamente com a Rússia ? os amplos estoques de armas nucleares, que são hoje mais de 5 mil em cada um desses países.

A nova política nuclear dos Estados Unidos deverá ser anunciada brevemente e veremos então se o "novo realismo nuclear" é de fato para valer ou uma figura retórica.

*José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo
Fonte: Estadão online, 18/01/2010

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