sábado, 16 de janeiro de 2010

Onde estão as mudanças?

A relação dos EUA com a América Latina mudou neste primeiro ano de governo Barack Obama?

NÃO
MATTHIAS S. FIFKA*


"OS TEMPOS mudaram", disse Barack Obama antes de embarcar para Cúpula das Américas, em abril de 2009, indicando sua intenção de reformular a política externa dos EUA em relação à América Latina. Levando o argumento adiante em seu discurso de abertura, Obama prometeu "um novo começo" e um relacionamento "sem parceiros seniores ou juniores". Essa promessa de mudança, que tinha sido o tema principal de sua campanha eleitoral, ecoou bem entre os estadistas latino-americanos, muitos dos quais haviam ficado profundamente desapontados com oito anos de Bush e do unilateralismo dos EUA.

Até mesmo políticos como Hugo Chávez se sentiram inclinados a comentar, após a cúpula, que era "o verdadeiro início de uma nova história".

O povo da América Latina também nutria altas esperanças no presidente recém-eleito. No início de 2009, uma maioria inequívoca de pessoas no Brasil, no México e na Argentina expressava confiança em Obama.

Assim, Obama teve o apoio público necessário para melhorar as relações com os vizinhos do Sul e para realizar algumas das iniciativas que propusera em um plano intitulado "Uma Nova Parceria para as Américas".

Esse plano político consistia em três elementos principais: fortalecer a democracia e o Estado de Direito na América Latina, apoiar os governos em seu combate ao tráfico de drogas e a criminalidade organizada e ajudar na redução da pobreza, da fome e dos problemas de saúde e educação.

Mais especificamente, Obama, por exemplo, prometeu criar um conselho de segurança comum, melhorar as relações com Cuba, promover o alívio da dívida latino-americana, ajudar a Colômbia a combater os rebeldes das Farc e colaborar com o Brasil com o comércio e o desenvolvimento de biocombustíveis, como o etanol.

No primeiro ano de governo Obama, a maioria dessas propostas não saiu do papel. Com a exceção do esforço pouco animado de fechar a prisão de Guantánamo e da redução das restrições às visitas de cubano-americanos a parentes na ilha e à transferência de remessas de dinheiro a Cuba, Obama não empreendeu nenhuma iniciativa significativa em direção às mudanças que prometeu.

Em lugar disso, sua trajetória escorregadia no golpe hondurenho e o acordo fechado com a Colômbia, que dá aos EUA acesso a sete bases militares e o direito de enviar soldados para lá, lembram mais a política de seu predecessor que um novo começo.

Poderíamos argumentar, com certeza, que promessas de campanha quase nunca são cumpridas. Também se poderia dizer, em defesa de Obama, que em seu primeiro ano no cargo ele teve que concentrar sua atenção na crise econômica, na reforma da saúde e nas guerras no Iraque e Afeganistão.

Essas questões podem, de fato, parecer mais urgentes que reforçar e reformular as relações com a América Latina, mas, no longo prazo, neglicenciar essas relações terá consequências indesejadas para os EUA.

A maior parte da América Latina compreende muito bem que o bem-estar econômico de seus países ainda pode beneficiar-se de relações econômicas positivas com os EUA e que uma economia americana forte garante a entrada de capitais e um grande mercado para exportações.

Contudo, os EUA também precisam dar-se conta de que a América Latina -e especialmente o Brasil- já diversificou seus laços e ampliou suas relações comerciais com União Europeia, Rússia e China. Sobretudo as últimas duas vêm fazendo bom proveito do interesse declinante na América Latina que tem o rival.

A Rússia concordou em construir reatores nucleares para a Venezuela e já entregou a Chávez armas no valor de mais de US$ 4 bilhões. A China, desde 2004, já firmou mais de 40 acordos bilaterais com Argentina, Brasil, Venezuela e Cuba, prevendo mais de US$ 100 milhões em investimentos chineses até 2014.

Se Obama continuar a fazer pouco caso da América Latina como fez em seu primeiro ano no poder, os EUA correrão o risco de perder um parceiro importante para o futuro, em um mundo cada vez mais competitivo.
------------------------------------------------------------------
MATTHIAS S. FIFKA é professor de economia e política internacional na Universidade Erlangen-Nuremberg (Alemanha) e vice-diretor do Instituto Germano-Americano.
Tradução de Clara Allain.
Fonte: Folha online, 16/01/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário