sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Nós, também haitianos

Carlos Marcelo

“Sempre há algo nas tragédias que recorda a nossa humanidade irrenunciável”, escreveu no El País a mexicana Gabriela Warkentin, diretora do Departamento de Comunicação da Universidade Iberoamericana da Cidade do México. Em artigo, a especialista em novas tecnologias analisa o papel das mídias sociais na propagação das notícias sobre a catástrofe que devastou o Haiti. “(Do ponto de vista da mídia) Esse terremoto apresentou todas as características do século 21: a hipercomunicação, as notícias em tempo real, a sensibilidade exposta”, comentou Warkentin, reproduzindo declarações dramáticas registradas no Twitter: “Outra réplica (do tremor)! As pessoas gritam e parecem ter enlouquecido!”, escreveu um morador de Porto Príncipe.

A sensibilidade exposta, mencionada pela especialista mexicana, nos deixa mais próximos da dor alheia. E o fato de a tragédia ter atingido diversas famílias brasileiras só acentua a proximidade de quem acompanha os dramas a distância e não pode fazer nada para dirimi-los. Além, claro, da incômoda familiaridade com algumas das cenas mostradas pela tevê: cadáveres empilhados a céu aberto nos remetem a chacinas promovidas pelo tráfico; crianças e adultos desesperados, esperando indefinidamente por atendimento médico, também não chegam a ser novidade para nós; milhares de pessoas dormindo ao relento, certamente chocante para os norte-americanos que acompanham a CNN, causam menos perplexidade por aqui. Mas, independentemente da maior ou menor proximidade com as consequências do desastre, ao menos a reação diante da tragédia é unânime ao unir cidadãos de nações ricas, em desenvolvimento e miseráveis – ao menos na hora do pesar.

“A recente grande crise econômica demonstrou que os países estão interligados. Para não sucumbir, é preciso solidariedade entre as nações. Solidariedade e fraternidade são o de que o mundo mais precisa para sobreviver e encontrar o caminho da paz (…) A sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação. Com esse espírito, ao fortalecer os laços que unem a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais que afetam as famílias pobres”. Eis um trecho do discurso proferido em Porto Príncipe por D. Zilda Arns (1939-2010), autêntica heroína brasileira. Que suas palavras e seu exemplo de vida sejam para sempre lembrados – e multiplicados.

Fonte: Correio Braziliense online, 15/01/2010

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