Deonísio da Silva*
RIO - Os franceses têm a expressão coup de foudre para designar a paixão súbita, que muda tudo na vida de uma pessoa. Na verdade, muda na vida de dois e de todos aqueles que lhes estão vinculados, sejam laços de amor, amizade ou ódio, pois odiar é também ligar-se ao inimigo.
Stefan Zweig, o escritor judeu-austríaco que teve seu triste fim em Petrópolis, abre um de seus romances, 24 horas na vida de uma mulher, com um coup de foudre. A tradução deste livro de Stefan Zweig, cuja trágica existência levou o jornalista Alberto Dines a fazer sua notável biografia, é de Lya Luft e está publicada pela L&PM.
Desconheço as razões de poucos lerem Stefan Zweig, hoje. Aliás, a julgar pelas livrarias, ninguém mais está lendo nada que tenha mais do que 24 horas. As editoras estão vivendo de lançamentos, lançamentos e mais lançamentos. E livros fundamentais na formação e consolidação dos leitores, principalmente dos jovens, desapareceram do mercado e sobrevivem em pequenos nichos, de que são exemplos as boas escolas e universidades, pequenas livrarias e livros disponíveis na internet. Ou os maravilhosos livros de bolso, bons e baratos.
"...ninguém mais está lendo nada que tenha mais do que 24 horas.
As editoras estão vivendo de lançamentos,
lançamentos e mais lançamentos."
O mesmo fenômeno atingiu o cinema. Sylvio Back fez um documentário e um longa sobre Stefan Zweig. Lost Zweig foi o título que Back deu, resumindo numa só palavra o estado do escritor. Ele estava realmente perdido! O filme não está em cinema nenhum e só pode ser encontrado em DVD.
Bem, mas as perdas podem ser muito maiores e envolver mais gente. Tivemos a lost generation, a geração perdida, expressão criada por Getrud Stein e popularizada por Ernest Hemingway em O sol também se levanta. Lembro que o étimo da palavra lost aponta paradoxalmente para ser destruído e ser livre. Quem está perdido, vai para onde quer e em geral se destrói.
Voltemos ao coup de foudre, depois dessas divagações, que naturalmente têm um propósito. Veio do latim e significou na origem algo como o soco do raio. Na noite escura ou mesmo de dia, no meio da tempestade, o raio assusta, mas também ilumina.
No livro de Zweig, o coup de foudre pega de surpresa os pacatos convivas de uma pensão na Riviera no início do século passado.
Madame Henriette, de 33 anos, esposa de um deles, mãe de duas filhas adolescentes, foge com um jovem francês, caracterizado como gentil, educado, elegante e dono de “extraordinária e simpática beleza”. A barba loura e sedosa emoldurava lábios quentes e sensuais", “olhos doces acariciavam a cada olhar”, diz o narrador.
Enquanto todos condenam Henriette, o narrador diz: “Prefiro ser defensor. Pessoalmente tenho mais alegria em compreender as pessoas do que em julgá-las”.
É quando uma outra senhora, de 67 anos, convida-o a ir ao quarto dela e lhe narra a trama que justifica o título do livro: 24 horas que passou em Monte Carlo, quando um coup de foudre a tomou de surpresa, fazendo-a viver, aos 43 anos, uma paixão de um dia apenas, ocorrida há 24 anos, mas inesquecível para ela, vivida com um jovem apostador do famoso cassino.
___________________________*Deonísio da Silva é escritor.
Fonte: JB online, 06/06/2010
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