segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ray Kuezweil - Entrevista

Admirável mundo novo

Cientista, inventor e estudioso da inteligência artificial, o americano Ray Kurzweil vai prospectar hoje, em Porto Alegre, como será o mundo em um futuro não tão distante. Kurzweil pensa tão adiante de seu tempo que a conferência no Fronteiras do Pensamento dispensa sua presença física. Ele vai estar no palco do Salão de Atos de UFRGS na forma de um avatar, na primeira teleconferência holográfica realizada no Estado.
No encontro que tem início às 19h30min – com ingressos esgotados –, Kurzweil vai interagir com a plateia sentado em seu gabinete, nos Estados Unidos (veja no quadro ao lado como funciona essa tecnologia).
Nascido em 1948, em Nova York, o cientista é um veterano da alta tecnologia. Passou sua carreira pesquisando formas de ensinar às máquinas a criatividade humana: projetou, nos anos 1960, um programa que permitiu a seu computador compor uma peça musical e foi um pioneiro dos sintetizadores – inventou o modelo de teclado que leva seu nome. Hoje, ele se dedica a prognosticar o futuro no campo das interações homem-máquina. Acredita na nanorrobótica, com máquinas microscópicas viajando pelo corpo humano para tratar doenças.
O Fronteiras do Pensamento é promovido pela Braskem com apoio da UFRGS e da Prefeitura de Porto Alegre. Esta edição tem patrocínio de Unimed Porto Alegre, Refap e Grupo RBS.
Confira trechos da entrevista que Kurzweil concedeu por e-mail.

Zero Hora – O senhor pode adiantar o assunto de sua conferência holográfica em Porto Alegre?
Ray Kurzweil – Eu relacionarei diversos pontos. Primeiro, a tecnologia de informação tem um poder de crescimento exponencial, que agora, essencialmente, dobra a cada ano. Essa é a verdade dos computadores, mas o que não é tão aparente é que isto também se aplica a tudo com que nos importamos. A saúde e a medicina, agora, se tornaram tecnologia da informação. Temos o genoma, que é basicamente um software da vida. E mostramos que é possível transformar este software em biologia viva, como demonstrou a equipe de Craig Venter há algumas semanas. Podemos projetar essas intervenções em computadores e prever seu impacto em simulações computacionais de biologia. Agora que a saúde e a medicina são tecnologia de informação, suas capacidades dobrariam a cada ano. Então, estas tecnologias serão mil vezes mais poderosas em 10 anos, um milhão de vezes mais poderosas em 20. Esse panorama faz uma enorme diferença. Se eu dou 30 passos de forma linear (e isto reflete nossa intuição sobre o futuro), o resultado final é 30. Se eu dou 30 passos exponencialmente (e isto reflete a realidade da tecnologia da informação), eu chego a um bilhão. Computadores já estão um bilhão de vezes mais poderosos atualmente do que eram quando eu estava estudando na faculdade.

ZH – Há um gênero inteiro na literatura de ficção científica dedicado a imaginar uma era no futuro em que serão comuns implantes cerebrais para o controle de membros artificiais. O quão distantes estamos desta visão?
Kurzweil – Já existem pessoas andando por aí com computadores em seus cérebros. Se você sofre de Parkinson, pode ter implantado um computador de um tamanho de uma ervilha, que exerce muitas das funções dos neurônios biológicos destruídos pela doença. As últimas versões desse implante neural permitem que você carregue novos softwares para o computador em sua cabeça de um local fora de seu corpo. Hoje, isso requer cirurgia. No futuro, seremos capazes de mandar computadores inteligentes a nossos cérebros através dos capilares sanguíneos, sem cirurgia, faremos tudo isso para nos tornarmos mais espertos. Vamos melhorar nossa memória, nossa habilidade em solução de problemas, ter acesso a toda a sabedoria humana diretamente em nossos cérebros, ter uma comunicação direta cérebro-a-cérebro via internet, experimentar uma imersão completa em ambientes de realidade virtual, incorporando todos os sentidos ao usar estas tecnologias.

"Já existem pessoas andando por aí
com computadores em seus cérebros.
Se você sofre de Parkinson,
pode ter implantado um computador de um tamanho de uma ervilha,
que exerce muitas das funções dos neurônios biológicos
destruídos pela doença"

ZH – É senso comum que sabemos muito pouco sobre o cérebro, uma das áreas menos conhecidas na fisiologia humana. O quão verdadeira é esta afirmação? O quanto sabemos sobre os mecanismos que controlam a atividade cerebral?
Kurzweil – Nosso conhecimento do cérebro está em expansão exponencial, dobrando a cada ano. Já existem simulações computadorizadas realistas de cerca de duas dúzias de regiões cerebrais, como o córtex auditivo, o córtex visual, o cerebelo (onde formamos nossas habilidades, como agarrar uma bola em movimento) e fatias do córtex cerebral, onde se dá o pensamento simbólico. Isso continuará a se expandir de forma exponencial. Diria que teremos disponíveis todas essas simulações em níveis de performance humana por volta de 2029.

ZH – Quando muitos declaravam que computadores jamais evoluiriam a ponto de derrotar um brilhante jogador de xadrez, o senhor dizia que um computador ganharia de um humano no futuro próximo – afirmação confirmada pela derrota de Garry Kasparov. O senhor acha que a inteligência artificial algum dia será mais avançada do que o cérebro humano?
Kurzweil – Uma vez que o computador chegue a níveis de inteligência em áreas nas quais hoje os humanos são preeminentes (como ser divertido ou expressar sentimentos amorosos), eles combinarão estas habilidades com pontos em que já atingiram a superioridade, como lembrar bilhões de coisas. Continuarão a crescer exponencialmente e refinarão seu próprio software. Mas isso não é uma invasão alienígena. A aplicação primária das máquinas inteligentes será colocá-las em nossos corpos (para torná-los mais saudáveis) e cérebros (para nos tornarmos mais espertos).

ZH – O senhor já afirmou que a humanidade será potencialmente imortal nos anos 2020. Quais são as razões que o levam a apontar esta década como o alvorecer de uma “humanidade live forever”?
Kurzweil – Basicamente, chegaremos a um ponto (daqui a mais ou menos 15 anos) em que adicionaremos mais de um ano a cada ano a nossa expectativa de vida restante. Isto é basicamente um ponto de virada. Que virá da fase madura da revolução biotecnológica, basicamente reprogramando os processos de informação que fundamentam a biologia. Isto nos levará à revolução da nanotecnologia, que essencialmente reconstruirá todos os nossos órgãos, incluindo as regiões do cérebro. Neste ponto, poderemos fazer um backup de nosso “arquivo mental”, composto de todas as informações em nossos corpos e cérebros que definem nossa identidade, habilidades, memórias e personalidade.

ZH – O senhor já pesquisou soluções para problemas em áreas como música e leitura. Quais são seus principais projetos atualmente?
Kurzweil – Um projeto prioritário chama-se Blio (www.blio.com), que é um e-reader para e-books. Ao contrário de outros e-readers no mercado, o Blio preserva o formato original dos livros. Ele lê em voz alta com uma marcação sincronizada, que é ótima para crianças que estão aprendendo a ler, para pessoas com dislexia ou problemas visuais. É grátis e vem com um milhão de livros gratuitos (você também pode comprar livros). É um empreendimento conjunto com a Baker & Taylor, a maior distribuidora de livros no mundo.
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Como funciona

> Ray Kurzweil vai falar ao público do Salão de Atos da UFRGS por meio de uma tecnologia chamada teleconferência holográfica.

> Kurzweil tem montado em seu escritório um estúdio de captação e transmissão de imagens 3D, e um sistema de projeção será instalado no Salão de Atos. No evento, os dois sistemas serão colocados em rede por uma conexão de internet, e a imagem do palestrante será transmitida dos Estados Unidos para Porto Alegre.

> O sistema funciona como uma videoconferência. O que muda é a apresentação da imagem do palestrante. Kurzweil estará em seu gabinete, nos Estados Unidos, e terá sua imagem projetada ao vivo em uma tela de vidro no palco do Salão de Atos, em tamanho real e em 3D, de modo a passar a ilusão de que ele se encontra no local (como se pode ver na foto ao lado). Ao mesmo tempo, um sistema de câmeras instalado no Salão de Atos devolverá ao palestrante a imagem da plateia, dando ao cientista a visão do público e dos espectadores que fizerem perguntas.

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Reportagem : CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH online, 14/06/2010

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