Alberto Veloso*
Crescem as apreensões com a recente revelação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) de que o Irã possui estoque de urânio com enriquecimento quase suficiente para construir dois artefatos nucleares. Seria ingenuidade desconsiderar o desejo de alguns Estados alcançar status de nações nucleares, e o atual cenário internacional é didático para relembrar um fato nebuloso, de 30 anos atrás.
Na madrugada de 22 de setembro de 1979, um satélite americano detectou sinais luminosos na atmosfera com características de uma explosão nuclear. A área era o sul do Oceano Índico e naquele momento dois satélites cobriam a região, mas por falha instrumental, apenas um registrou o fenômeno. Esse tipo de satélite já havia provado eficácia na detecção de explosões na atmosfera e se desconheciam falsos alarmes.
O governo norte-americano preferiu não divulgar de imediato a notícia porque existiam suspeitas do envolvimento de Israel no episódio, ademais de controvérsias técnicas por um único satélite ter registrado o evento. Mas os cientistas que tiveram acesso aos dados concluíram que o sinal indicava a detonação de uma bomba atômica. Adicionalmente, descobriu-se que uma estação hidroacústica da marinha americana — utiliza sensores submarinos para registrar ondas de choque — não apenas detectou, mas também localizou a explosão. Ela teria ocorrido à baixa altura, nas proximidades da ilha sul-africana Príncipe Eduardo, longe das rotas de tráfego marítimo. Sua potência foi estimada entre dois e quatro quilotons — força explosiva equivalente a duas a quatro toneladas de dinamite.
Na década de 1970, Israel e África do Sul firmaram um acordo bilateral. De um lado haveria transferência de tecnologia nuclear, do outro, o fornecimento de grandes quantidades de urânio natural. Houve progresso, os sul-africanos obtiveram seus armamentos, mas, voluntariamente, desistiram deles. Para demonstrar que tudo havia terminado, eles permitiram o acesso às suas instalações secretas, já desmanteladas. Nos corredores do edifício da AIEA, em Viena, são vistas partes desse antigo material, agora transformado em pequenas esculturas com temas da cultura africana. Com Israel não aconteceu o mesmo e, para muitos especialistas, o país possui várias ogivas nucleares.
Mas as discussões sobre a origem da explosão de 22 de setembro de 1979 nunca findaram, pois nenhuma nação assumiu a responsabilidade pelo episódio. Teria sido um crime perfeito? Hoje não há como repeti-lo e sair incólume da cena, pois é quase impossível conduzir um teste nuclear na total clandestinidade. Isso vale para qualquer lugar onde se queira executá-lo: na terra sólida, nos oceanos, na atmosfera, ou no espaço exterior. Nunca o mundo foi vigiado de forma tão completa. Satélites noticiam a movimentação de navios, aviões, tropas militares e se vê com admirável detalhe o que se passa em pequenas áreas do terreno. Ademais, a ONU comanda uma rede de estações de monitoramento contra explosões nucleares, em tempo quase real, e apontará o local de qualquer evento suspeito. Não há como fugir dessa poderosa vigilância.
Entretanto, o mais importante é perguntar como seria o mundo hoje se a África do Sul tivesse optado por um caminho distinto. Pela relativa proximidade geográfica, teria o Brasil também buscado status nuclear? E os países circunvizinhos, alguns com históricos conflitos fronteiriços, não procurariam esse poder? Seria enorme a chance de ter todos os sul-americanos sob intensa tensão política. Fábulas de dinheiro continuariam sendo gastas para manter os arsenais em segurança.
A história contada deveria servir de alerta para rejeitar qualquer tipo de proliferação nuclear, apesar de o tratado internacional que cuida do tema ser discriminatório: não é permitido a um país qualquer armar-se com novas bombas, mas os que as possuem continuarão com elas. Dos males, o menor, mais “players atômicos”, maior o perigo, mais difíceis as negociações e menores as oportunidades de alcançar resoluções de interesse global. Assim, é preciso contestar as manobras do Irã, que se furta de cumprir obrigações com a AIEA, além de demonstrar clara estratégia de negociações com o intuito de ganhar tempo para progredir com suas atividades nucleares. Com tais procedimentos, é altamente duvidoso aceitar as ponderações de que mantém um programa nuclear apenas para fins pacíficos. Resta ao Conselho de Segurança da ONU agir com extremo rigor para travar o avanço de mais uma tentativa de expansão nuclear.
(O original desse relato é suportado por ampla bibliografia e constitui parte do capítulo “A sismologia e os testes nucleares” de um livro, em preparação, sobre terremotos.)
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*Criador do Observatório Sismológico da UnB, foi funcionário da ONU na montagem de uma rede internacional para registrar explosões nucleares
Fonte: Correio Braziliense online, 04/06/2010
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