quarta-feira, 4 de julho de 2012

Uma vida moldada pela história


 Pat Carter/AP
A vida de Juan Gabriel Vásquez, assim como a de seus personagens literários, está condicionada pelos grandes acontecimentos históricos. Nascido em Bogotá em 1973, o escritor viveu de perto o período de extrema violência causada pelo narcotráfico nos anos 1980 e começo dos 1990 na Colômbia e acabou deixando o país por isso. Agora, após 16 anos na Europa, Vásquez se prepara para voltar. Antes, ele visita o Brasil para participar da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e lançar o livro "A História Secreta de Costaguana" (L&PM). De Barcelona, o escritor conversou por telefone com o Valor.

Valor: Você deixou a Colômbia em 1996, passou pela França, esteve um tempo na Bélgica e 12 anos na Espanha. Como vai ser voltar depois de tanto tempo?
Juan Gabriel Vásquez: Vai ser estranho. É uma decisão que não é só minha, tem a ver com questões pessoais da minha mulher. Vai ser uma mudança importante. Eu sempre me senti bem na condição de estrangeiro. É cômodo para mim, me sinto bem morando em um lugar que não é o meu. É algo que me dá tranquilidade para fazer e dizer coisas que talvez eu não faria ou diria no país. Agora não sei como será. Tenho pensando bastante nisso.

Valor: Você sempre escreveu sobre a Colômbia estando fora. E agora, como vai ser?
Vásquez: O romance que eu acabo de começar ainda acontece na Colômbia, mas já tenho em mente um seguinte que fala de Barcelona, a história acontece em grande parte aqui. De modo que parece que estou seguindo esse roteiro: ir dos lugares para começar a falar deles.

Valor: A mesa em que o você está na Flip é sobre história e ficção. Parece bem acertada, porque nos seus livros há um tema constante: como os grandes acontecimentos históricos afetam a vida das pessoas "comuns".
Vásquez: Já no meu primeiro livro eu comecei a me obcecar com essa ideia de que a vida pública sempre acaba se metendo em nossas vidas privadas, condicionando-a, dando-lhe forma. Digamos que esse lugar onde a História com maiúscula se encontra com nossas pequenas histórias íntimas me interessa muito. Explorar o que acontece aí, como acontece, como a história pública molda nossas vidas, é o assunto para o qual dediquei três livros inteiros. Nos dois primeiros ["Os Informantes", de 2004, e "A História Secreta de Costaguana", de 2007] eu tentava averiguar quais os eventos que, desde um ponto de vista histórico, haviam me afetado. Nós somos resultados de um processo que nos transcende, que é maior que nós. No terceiro livro ["El Ruído de las Cosas al Caer", de 2011, ainda inédito no Brasil] percebi que as marcas que essa experiência na Colômbia me deixou estavam em nível mais íntimo. Queria saber como era isso. Não de um ponto de vista da História, mas da memória. O que aconteceu? No que me afetou ter nascido nessa época de violência extrema? Eram essas as minhas perguntas.

Valor: É muito forte dizer que a História também condicionou a sua vida, a decisão de ir embora da Colômbia...
Vásquez: Não é forte, é bem certo isso. E escrever esse último livro foi, em boa parte, um exercício de memória, de tentar pensar em como isso me marcou. Percebi, com surpresa, que as pessoas dessa geração compartilham essa ideia do medo, de que você não pode controlar sua vida, e de ter que conviver com a incerteza. Só que naquele momento não tínhamos isso claro. Desenvolvemos estratégias emocionais e mentais para conviver com a ameaça e o medo. Escrever esse romance foi, sobretudo, trazer isso à tona, tirar as proteções mentais e ver como isso realmente nos havia afetado.

Valor: Seria possível escrever uma novela como essa estando na Colômbia?
Vásquez: Eu também me pergunto isso. Minha teoria é de que não teria sido possível. Demorei muito não só para escrever sobre isso, mas para pensar nisso. Quando saí da Colômbia esses assuntos não estavam no meu radar de interesse. O gênero narco na literatura é algo que eu sempre desprezei. O primeiro surpreendido quando comecei a escrever uma história que tocava o mundo do narcotráfico e do terrorismo fui eu mesmo. Acho que a possibilidade de falar sobre isso veio por eu ter me separado desse universo. Eu saí da Colômbia em 1996 com uma sensação de repulsa, uma necessidade de deixar as coisas para trás e esquecer. E foi só a distância que permitiu que eu recuperasse isso.

Valor: Você já esteve no Brasil? Já havia escutado falar da Flip?
Vásquez: Só estive uma vez e em uma situação pitoresca. Era capitão do time de futebol do meu colégio, em um campeonato latino-americano que aconteceu no Rio. Eu tinha 16 anos. Foi minha única visita: fui para jogar futebol. O que me parece muito bom, porque o futebol é muito importante. Ficamos em terceiro lugar e quem me entregou a medalha e o troféu foi o Zico, que era um grande ídolo da minha infância. No ano retrasado havia uma possibilidade de que me convidassem para a Flip, mas eu preferi guardar esse convite para quando meus livros tivessem sido lançados no Brasil, senão não teria muito sentido. É uma feira fantástica com bons amigos.

Valor: Por que demoraram tanto para publicar no Brasil seus livros? "História Secreta" é de 2007 e vai sair agora. E seu último livro nem tem previsão para ser lançado.
Vásquez: No sentido inverso também a coisa é lenta. É uma situação bastante ridícula contra a qual creio que escritores e jornalistas deveríamos nos rebelar. Na história do século XX houve, sempre, uma falta de comunicação total entre Brasil e a América hispânica que me parece completamente absurda. Acho que já é hora de quebrar essa parede. Quanto à tradução, não demoraram muito mais do que em outras línguas. O que acontece é que fazendo parte do mesmo continente e de uma sensibilidade muito similar, parece absurdo que aconteça isso. E também que em espanhol se demora tanto para que escritores como João Paulo Cuenca sejam traduzidos.

Valor: Você tem curiosidade para saber como fica um livro seu traduzido? Costuma olhar isso?
Vásquez: O que me interessa é saber se o tradutor entendeu a música. Meus livros têm tons muito diferente entre eles. E o tom, a música dessa linguagem, é que me interessa. E numa língua latina como o português eu posso ver se o tradutor pegou isso. Ainda que eu não entenda o significado das palavras, o som e o ritmo se percebe. E o que faço é de não me preocupar muito como fica a tradução em hebreu ou chinês porque aí sim eu não tenho nada que fazer.

Valor: Parece que o fato de ser bastante lido incomoda algumas pessoas na Colômbia. Você tem muitos inimigos lá?
Vásquez: Quando meus livros começaram a ter certo reconhecimento eu experimentei na carne isso que o Neruda dizia: para cada elogio receberás dois insultos. Às vezes a proporção é maior. Isso se agrava porque tenho uma coluna política em um jornal colombiano e gosto de utilizar esse espaço para denunciar os desmandos da Igreja, defender o aborto e a legalização das drogas, por exemplo. São temas muito espinhosos e a Colômbia é um país muito conservador. Isso também gera inimigos, mas não só não me preocupa, senão acho que demonstra que algo de valor estou fazendo para receber tantos ataques.

Valor: E ter ganho um prêmio importante [Alfaguara em 2011], muda alguma coisa? Gera uma cobrança maior?
Vásquez: Não vejo assim. Primeiro porque, pelo menos no meu país, nem os elogios nem os ataques são feitos pelas razões corretas. A literatura nunca tem a ver com isso. Segundo porque meu projeto literário sempre esteve muito claro na minha cabeça e um prêmio não vai mudar isso. Sei qual tipo de livros tenho que escrever. O prêmio é um acidente e a ampliação do público por causa dele também. Não acho e nem espero que meus próximos livros tenham tantos leitores e não vou escrever para que isso aconteça. Escrevo por razões pessoais e encontrarei os leitores interessados.
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Reportagem Por Ricardo Viel | Para o Valor, de Madri
Fonte: Valor Econômico on line, 04/06/2012

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