terça-feira, 6 de novembro de 2012

A democracia americana

Hélio Schwartsman*

Os EUA vão hoje às urnas e alguns analistas mencionam a possibilidade de um candidato ser escolhido presidente mesmo sem obter a maioria dos votos populares. Essa distorção seria uma cortesia do colégio eleitoral, o sistema indireto de votação estabelecido pelos fundadores do país há mais de 200 anos e hoje considerado obsoleto e até antidemocrático. 

Concordo com a avaliação, mas, antes de cravar que os "founding fathers" erraram, convém perscrutar melhor o que tinham em mente. "O modo de escolha do magistrado-chefe [presidente] é praticamente a única parte do sistema [constitucional] que escapou de censuras [...]. Não hesito em afirmar que, se a maneira não é perfeita, é pelo menos excelente". Essas palavras foram escritas em 1788 por Alexander Hamilton. 

Por paradoxal que pareça, os autores da mais longeva Constituição democrática do mundo faziam parte daquela categoria de democratas aristocráticos que tem horror a povo. Hamilton diz temer a possibilidade de "tumulto e desordem" num pleito direto e proclama que o sistema foi desenhado para evitar dar força aos demagogos, que ele descreve como "talentos para a baixa intriga e as pequenas artes da popularidade". Elbridge Gerry foi ainda mais explícito, citando a "ignorância do povo". 

Se há um conceito que se sobressai na democracia norte-americana, é o dos "checks and balances" (freios e contrapesos), a noção de que ninguém, nem mesmo a população, pode deter poderes absolutos e que a todo poder concedido corresponderá também um controle externo. 

Com o benefício da visão de retrospecto, podemos dizer que os "founding fathers", muito embora tenham feito lambança com o sistema eleitoral, acertaram na orientação geral. A profusão de "checks and balances" é um dos principais motivos pelos quais a democracia dos EUA vem funcionando razoavelmente bem e sem interrupção há dois séculos. 
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* Colunista da Folha

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