Paulo Ghiraldelli Jr*
Por
que não estar junto de Deus, seja lá o que for isso? Ah, por uma razão
simples: Deus andou trazendo para próximo Dele só os piores! Mas, mesmo
assim, poderíamos retrucar: mas não era isso mesmo o que a pregação
dizia que havia de ser feito? Não foi Jesus mesmo quem disse que iria
conquistar os que estavam fora da trilha do bem ou simplesmente estavam
sozinhos? E não foi isso o ensinado também na moral final da história do
filho pródigo ou na própria história de Madalena? Todavia, queremos
notar diferenças e graduações, ao olharmos para o mal, não queremos? Não
esperamos que justamente o pecador venha para Deus exatamente para
fazer o Diabo reinar nos Céus! Portanto, não esperamos que os padres e
os pastores venham para as religiões ou as criem para fazer delas
crateras sugadoras da alma ingênua ou bancadas frutíferas para
negociantes da fé.
Houve um tempo que abrir uma casa de
shows com o nome de igreja não era boa coisa. A Igreja Católica
condenaria. Afinal, houve um tempo em que os católicos eram cristãos.
Houve um tempo que virar negociante, milagreiro e enganador não tinha
nada a ver com ser um protestante que, nessa época, jamais se imaginaria
com o nome “evangélico”, que representa hoje tudo que há de errado no
mundo. Houve um tempo que as igrejas ficavam de um lado, combatendo o
mal, e o mal ficava de outro e, se se aproximava de alguma igreja ou era
chamado, era para deixar de ser o mal, não para reinar dentro da casa
do bem. Nesse tempo, existiu também uma fé pura, cristã, que mobilizava
os padres (e também pastores) em favor dos pobres e necessitados do
mundo.
Nesse tempo, no qual passei a juventude
ajudando a combater essa religião do bem, justamente por motivos que
hoje não têm mais nenhuma importância, os padres e os pastores tinham
muita proximidade com o cristianismo. Pois o cristianismo era a religião
dos pobres, dos oprimidos, dos que sofriam a dor do corpo e da alma, os
torturados, os injustiçados do mundo. Esse tempo, mas posto nos dias
atuais sobre pilares do que restou desses autênticos militantes de
Jesus, está todinho em O Elefante Branco
(Pablo Trapero, Argentina/Espanha, 2012), mais um desses filmes
argentinos que vem dizendo para o mundo o quanto o cone sul sabe fazer
cinema.
O Elefante Branco conta uma
história que poderia muito bem ser brasileira, se é que não temos
dezenas de histórias assim aqui em nosso país. É a história de padres
envolvidos na profunda missão de ser cristão mesmo, dentro de uma favela
argentina. Não são padres da Teologia da Libertação. São apenas padres.
Homens que não punham a política dentro da religião, mas que faziam da
religião alguma coisa que não podia não se opor à política dos mais
fortes contra os mais fracos.
"...primeiro, não se fazem
padres como antigamente; segundo, haverá um dia que os sacerdotes
cristãos encontrarão Jesus novamente."
É claro que, escrevendo assim, não deixo
de ser o filósofo que sabe muito bem que a doutrina cristã não traz
para cada um a culpa do pecado original e, sim, os sentimentos de culpa
que todos nós temos, vindos de algo muito mais próximo de nós mesmos,
algo quase que fisiológico. Trata-se da culpa de não corresponder ao que
nossos pais queriam de nós ou o que qualquer outro superego queria de
nós – essa é a maior culpa, às vezes sublimada em culpa religiosa. Esses
padres do filme esbanjam isso. Durante todo o tempo eles estão
culpados. Não à toa, dois deles, representados por atores espetaculares,
Ricardo Darín e Jeremie Renier (que contracenam com a belíssima,
sensual e não menos talentosa Martina Gusman), são filhos de
proprietários de terra, pessoas ricas que vieram a ser padres para viver
como Jesus, e que jamais deixaram de mostrar o quanto carregavam de
culpa.
Mas, a novidade que trago neste texto é
só essa, de que posso elogiar religiosos contanto que eu, como filósofo,
continue denunciando que não é a religião que faz os padres militarem
na igreja, e sim uma culpa que Nietzsche e Schopenhauer ensinaram a
Freud? Não, quero dizer mais que isso.
Essa culpa que faz as pessoas procurarem
a religião pode ser boa. Mas, algumas pessoas são culpadas não por
situações que enobrecem. Há quem seja culpado apenas por suas
frustrações pessoais, por exemplo, pode-se querer ser um exibidor do
corpo ou cantor e não conseguir tal façanha e, então, descobrir que o
púlpito tem tudo para ser transformado de modo a propiciar que o
frustrado realize na igreja, de modo torto, o que não realizou fora. Mas
os padres do filme não são assim. Eles não vieram de algo tão
espiritualmente medíocre. Nada é levantado no filme sobre o passado
deles de culpa. A culpa é exibida como culpa, não há flashback.
O que é mostrado é que a culpa deles os levou a não tentar o heroísmo
ou o estrelato. Como o próprio personagem representado por Darin diz: “o
duro mesmo não é ser herói, mas levantar todo dia para o trabalho
cotidiano, mesmo sabendo que ele é insignificante”.
Mas, no fundo, esse trabalho de
formiguinha de militantes do bem não é insignificante. Ele significa
muito. Não muda tanto as coisas, mas significa o que tem de significar. É
aquele trabalho que – por milagre! – podemos encontrar quando nós
mesmos, soberbos na nossa inculpabilidade, caímos em desgraça ou
passamos dificuldades em uma terra estranha, vindos a ter ajuda na boa
vontade de uma Dorothy Stang da vida.
Gostaria de terminar com uma frase tola e
uma profecia não menos tola; ambas são jargões carcomidos, mas que vão
fazer efeito no leitor, caso ele veja o filme: primeiro, não se fazem
padres como antigamente; segundo, haverá um dia que os sacerdotes
cristãos encontrarão Jesus novamente.
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* Paulo Ghiraldelli Jr. , filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2012/11/05/os-padres-de-jesus/
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