terça-feira, 6 de novembro de 2012

Os padres de Jesus

Paulo Ghiraldelli Jr*

 
Por que não estar junto de Deus, seja lá o que for isso? Ah, por uma razão simples: Deus andou trazendo para próximo Dele só os piores! Mas, mesmo assim, poderíamos retrucar: mas não era isso mesmo o que a pregação dizia que havia de ser feito? Não foi Jesus mesmo quem disse que iria conquistar os que estavam fora da trilha do bem ou simplesmente estavam sozinhos? E não foi isso o ensinado também na moral final da história do filho pródigo ou na própria história de Madalena? Todavia, queremos notar diferenças e graduações, ao olharmos para o mal, não queremos? Não esperamos que justamente o pecador venha para Deus exatamente para fazer o Diabo reinar nos Céus! Portanto, não esperamos que os padres e os pastores venham para as religiões ou as criem para fazer delas crateras sugadoras da alma ingênua ou bancadas frutíferas para negociantes da fé.

Houve um tempo que abrir uma casa de shows com o nome de igreja não era boa coisa. A Igreja Católica condenaria. Afinal, houve um tempo em que os católicos eram cristãos. Houve um tempo que virar negociante, milagreiro e enganador não tinha nada a ver com ser um protestante que, nessa época, jamais se imaginaria com o nome  “evangélico”, que representa hoje tudo que há de errado no mundo.  Houve um tempo que as igrejas ficavam de um lado, combatendo o mal, e o mal ficava de outro e, se se aproximava de alguma igreja ou era chamado, era para deixar de ser o mal, não para reinar dentro da casa do bem. Nesse tempo, existiu também uma fé pura, cristã, que mobilizava os padres (e também pastores) em favor dos pobres e necessitados do mundo.

Nesse tempo, no qual passei a juventude ajudando a combater essa religião do bem, justamente por motivos que hoje não têm mais nenhuma importância, os padres e os pastores tinham muita proximidade com o cristianismo. Pois o cristianismo era a religião dos pobres, dos oprimidos, dos que sofriam a dor do corpo e da alma, os torturados, os injustiçados do mundo. Esse tempo, mas posto nos dias atuais sobre pilares do que restou desses autênticos militantes de Jesus, está todinho em O Elefante Branco (Pablo Trapero, Argentina/Espanha, 2012), mais um desses filmes argentinos que vem dizendo para o mundo o quanto o cone sul sabe fazer cinema.

O Elefante Branco conta uma história que poderia muito bem ser brasileira, se é que não temos dezenas de histórias assim aqui em nosso país. É a história de padres envolvidos na profunda missão de ser cristão mesmo, dentro de uma favela argentina. Não são padres da Teologia da Libertação. São apenas padres. Homens que não punham a política dentro da religião, mas que faziam da religião alguma coisa que não podia não se opor à política dos mais fortes contra os mais fracos.

 "...primeiro, não se fazem padres como antigamente; segundo, haverá um dia que os sacerdotes cristãos encontrarão Jesus novamente."

É claro que, escrevendo assim, não deixo de ser o filósofo que sabe muito bem que a doutrina cristã não traz para cada um a culpa do pecado original e, sim, os sentimentos de culpa que todos nós temos, vindos de algo muito mais próximo de nós mesmos, algo quase que fisiológico. Trata-se da culpa de não corresponder ao que nossos pais queriam de nós ou o que qualquer outro superego queria de nós – essa é a maior culpa, às vezes sublimada em culpa religiosa. Esses padres do filme esbanjam isso. Durante todo o tempo eles estão culpados. Não à toa, dois deles, representados por atores espetaculares, Ricardo Darín e Jeremie Renier (que contracenam com a belíssima, sensual e não menos talentosa Martina Gusman), são filhos de proprietários de terra, pessoas ricas que vieram a ser padres para viver como Jesus, e que jamais deixaram de mostrar o quanto carregavam de culpa.

Mas, a novidade que trago neste texto é só essa, de que posso elogiar religiosos contanto que eu, como filósofo, continue denunciando que não é a religião que faz os padres militarem na igreja, e sim uma culpa que Nietzsche e Schopenhauer ensinaram a Freud? Não, quero dizer mais que isso.

Essa culpa que faz as pessoas procurarem a religião pode ser boa. Mas, algumas pessoas são culpadas não por situações que enobrecem. Há quem seja culpado apenas por suas frustrações pessoais, por exemplo, pode-se querer ser um exibidor do corpo ou cantor e não conseguir tal façanha e, então, descobrir que o púlpito tem tudo para ser transformado de modo a propiciar que o frustrado realize na igreja, de modo torto, o que não realizou fora. Mas os padres do filme não são assim. Eles não vieram de algo tão espiritualmente medíocre. Nada é levantado no filme sobre o passado deles de culpa. A culpa é exibida como culpa, não há flashback. O que é mostrado é que a culpa deles os levou a não tentar o heroísmo ou o estrelato. Como o próprio personagem representado por Darin diz: “o duro mesmo não é ser herói, mas levantar todo dia para o trabalho cotidiano, mesmo sabendo que ele é insignificante”.

Mas, no fundo, esse trabalho de formiguinha de militantes do bem não é insignificante. Ele significa muito. Não muda tanto as coisas, mas significa o que tem de significar. É aquele trabalho que – por milagre! – podemos encontrar quando nós mesmos, soberbos na nossa inculpabilidade, caímos em desgraça ou passamos dificuldades em uma terra estranha, vindos a ter ajuda na boa vontade de uma Dorothy Stang da vida.

Gostaria de terminar com uma frase tola e uma profecia não menos tola; ambas são jargões carcomidos, mas que vão fazer efeito no leitor, caso ele veja o filme: primeiro, não se fazem padres como antigamente; segundo, haverá um dia que os sacerdotes cristãos encontrarão Jesus novamente.
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* Paulo Ghiraldelli Jr. , filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/2012/11/05/os-padres-de-jesus/

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