VICTOR MARTINS*
Protestos na Espanha, embates entre polícia e manifestantes na Grécia e
em Portugal, revolta na França, na Itália e na Inglaterra. As cenas
violentas que têm corrido — e assombrado — o mundo mostram que os
problemas detonados há quatro anos, pelo estouro da bolha imobiliária
dos Estados Unidos, estão longe do fim. Muito pelo contrário. Mantido o
atual quadro de desemprego elevadíssimo — um em cada dois jovens
espanhois estão sem trabalho —, de cortes de salários e aposentadorias,
de desmonte do estado de bem-estar social europeu construído ao longo de
décadas, a terceira onda de turbulências está prestes a varrer o
planeta. E, desta vez, serão as questões sociais a dar o tom da crise.
“Em vários países europeus, a situação é dramática e são mínimas as
chances de recuperação a curto e a médio prazos”, diz o economista-chefe
da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa. “Infelizmente, depois de duas
ondas de crise, esperava-se uma reação da economia mundial. Mas não é
isso o que estamos vendo”, ressalta. A primeira onda de problemas
envolveu os bancos. O estouro da bolha imobiliária nos EUA levou para o
buraco o gigante Lehman Brothers, que arrastou instituições financeiras
de várias parte do globo. A segunda, engolfou os governos que, para
evitar o desastre total, socorreram os bancos a um custo pesadíssimo e,
agora, estão atolados em dívidas monstruosas e, para fechar as contas,
sacrificam os trabalhadores.
Diante desse quadro, os economistas são enfáticos: se a atividade
econômica não se recuperar rapidamente, estancando o desemprego, será
inevitável a revolta da população. Protestos e atos de violência contra a
destruição da renda e do emprego se tornarão rotina. O diretor-geral da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Guy Ryder, antevê uma
“Primavera Árabe” na Europa, referência ao movimento liderado pelos
jovens da Tunísia contra o desemprego, que levou a derrocada do governo
local. Pelas contas da OIT, desde 2008, o mundo já destruiu 30 milhões
de postos de trabalho. E, somente em 2013, com a atividade crescendo
menos, outros 2,4 milhões de vagas serão limadas.
Saúde relegada
Nem mesmo a ligeira recuperação da economia dos EUA minimiza o temor
ante a terceira onda da crise. Primeiro, porque o número de postos de
trabalho abertos naquele país tem sido insuficiente para reduzir o
desemprego que ronda os 8% da População Economicamente Ativa (PEA).
Segundo, porque as desigualdades sociais na locomotiva que move o mundo
só aumentam. O mesmo ocorre na Alemanha, a principal liderança da Zona
do Euro, onde a pobreza já atinge, nos cálculos da Eurostat, a agência
de estatísticas do continente, 15,8% da população ante os 10% observados
no início do anos 2000.
Para o megainvestidor húngaro-americano George Soros, a Alemanha está
prestes a entrar em recessão e a travar a recuperação da economia
global. “Isso já não é uma previsão; é a observação de um fato. A
população alemã não sente isso ainda, e não acredita nisso. Mas é uma
realidade na periferia, e vai atingir o país dentro de seis meses”,
sentencia em um artigo publicado em sua página na internet. Na Espanha e
na Grécia, os problemas ganharam contornos dramáticos: 25% dos
habitantes em idade para trabalhar não encontram uma ocupação. Pelos
dados do Banco Mundial, em solo grego, apenas entre 2008 e 2009, os
homicídios qualificados cresceram 35%; na Espanha, 15,38%.
“A Europa deve ter uma década perdida”, avalia Newton Rosa. Alex
Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin
Rating, acrescenta: “O continente caminha para uma crise social. Esse é o
ponto seguinte a uma crise econômica”. Na Espanha, a crise reforçou o
discurso separatista da Catalunha. O governo, porém, não demonstra
intenção de aceitar. Ainda naquele país, as dificuldades financeiras
estão levando as pessoas a reduzirem até as despesas com saúde. Nas
contas do Banco Mundial, elas encolheram 8% entre 2008 e 2010. Na última
sexta-feira, a Organização Médica Colegial espanhola, que reúne
profissionais do setor, emitiu um manifesto contra os cortes de gastos
do governo com saúde, alegando que “os pacientes estão passando por
dificuldades sem precedentes”.
Xenofobia
Praticamente, todos os países da Zona do Euro reduziram esse tipo de
gasto. Entre 2009 e 2010, a Alemanha cortou 0,95% das despesas; a
França, 3,07%; a Itália, 2,27%; e a Grécia, 9,48%. “É inevitável uma
crise social na Europa, mas ela não deverá ser generalizada. Um
importante atenuante será a mobilidade social do europeu, sem dúvida,
mais bem preparado para buscar oportunidades em outros mercados e
continentes”, avalia Alexandre Coelho, diretor para as Américas do banco
de investimentos Daiwa Capital Markets, em Nova York.
Marcos Troyjo, professor de economia da Universidade Columbia, em Nova
York, é mais otimista. Ele não acredita em um processo de crise social
na Europa, mas espera uma reorientação do poder no continente, com
Berlim se tornando não apenas o centro econômico do continente, mas
também o de decisões. “Está havendo um processo de germanização entre os
países que formam a Zona do Euro e, em consequência, um distanciamento
maior da Inglaterra”, observa.
A hegemonia alemã, porém, vem sendo acompanhada de manifestações
pró-soberania, principalmente nos países em dificuldade maior. Ao mesmo
tempo, a xenofobia avança e o estrangeiro é frequentemente apontado como
o responsável pelas piores mazelas, um sentimento que tem impulsionado
os partidos de extrema-direita.
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* Jornalista.
Fonte: http://www.dzai.com.br/nunes/blog/blogdovicente- 05/11/2012
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