Luiz Martins da Silva*
Todos eles se consideram nata humana, mas há distinções
claras, tanto nas suas expressões, quanto no caráter: o centramento de
práticas e atitudes, desde o absoluto e anárquico egocentrismo ao
sociocentrismo. Difere, portanto, o propósito com que compartilham com o
mundo a sua “estética”, do rompante individualista e narcísico a
sotaques do tipo rap e hip hop.
Entre
os pichadores, há aqueles que impõem a todos a informação de que por
ali passou um representante de uma espécie que exige território, feito
caninos e felinos a demarcar limites com as suas micções. A ureia,
porém, se fosse matéria prima de pichação, danificaria menos as paredes,
sinalizações e monumentos do que as tintas químicas.
Brasília, patrimônio cultural da Humanidade, é um exemplo do que Jean Baudrillard denominaria de semiópolis: a polis
como suporte de signos, especialmente os estéticos. Assim o é com a
Capital brasileira, mas também impiedosamente maltratada por recalcados
que descarregam sobre placas, paredes e até obras de arte toda uma sorte
de códigos, mais enigmáticos do que os petroglifos das cavernas, talvez
porque àquela época inscrever pré-escritas não correspondesse a
linguagens de gangues.
Diz uma sentença romana que o nome dos tolos está em todos os lugares (Nomina stultorum ubicunque est). Visitando ruínas da Babilônia, li
o seguinte vandalismo: “Paulo, de São Paulo, esteve aqui”. Ora, não
ocorreria a um Gandhi ou a um Einstein esse tipo de registro, embora
restaurantes e bares reservem espaços para frases e autógrafos de
personalidades. Nesse tipo de painel, vi uma dedicatória de Pablo
Neruda. Foi no antigo Mercado Modelo, de Salvador (antes do incêndio).
Perenizar as mãos na argamassa tem sido uma olímpica forma de validar
prestígio, desde que inventaram a calçada da fama de Los Angeles.
Glória,
no entanto, não é pré-requisito obrigatório para a inserção artística
nos espaços urbanos. É lugar-comum, em grandes cidades, iniciativas
institucionalizadas e incentivadoras desse tipo de participação. O
projeto brasiliense Picasso não pichava, provê oficinas de
artes plásticas, tintas e pinceis. Para os barbarizadores, no entanto, o
fetiche está no que é proibido e não no que é encorajado. Por vezes,
grafitar é mais que estímulo, é contrato. Numa das recepções aos
calouros, a Universidade de Brasília promoveu a “pintura” de suas
paradas de ônibus com surpreendentes stencils tematizando o cotidiano no
campus. Renome conquistou Alex Valauri, que mereceu em uma das bienais
de São Paulo (1985) uma instalação exclusiva em homenagem à sua “obra” (A festa da rainha do frango assado).
O
pior dos mundos, no entanto, é quando os pichadores resolvem interferir
sobre as artes murais urbanas, demonstrando mais do que desprezo pela
criatividade dos grafiteiros, "oficiais" ou não. Ao tempo das pinturas
rupestres, os artistas se respeitavam, não constam que um tenha
sobreposto o seu traço ao de outro. Ah! Mas isso foi num tempo em que
não havia separação entre o artístico e o sagrado. Todavia, a magia da
arte pública ainda persiste. A despeito do desrespeito dos despeitados.
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* Jornalista. Professor Universitário. Escritor.
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=599
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