terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Grafiteiros, pichadores & Companhia

 Luiz Martins da Silva*
 
Todos eles se consideram nata humana, mas há distinções claras, tanto nas suas expressões, quanto no caráter: o centramento de práticas e atitudes, desde o absoluto e anárquico egocentrismo ao sociocentrismo. Difere, portanto, o propósito com que compartilham com o mundo a sua “estética”, do rompante individualista e narcísico a sotaques do tipo rap e hip hop.

Entre os pichadores, há aqueles que impõem a todos a informação de que por ali passou um representante de uma espécie que exige território, feito caninos e felinos a demarcar limites com as suas micções. A ureia, porém, se fosse matéria prima de pichação, danificaria menos as paredes, sinalizações e monumentos do que as tintas químicas.

Brasília, patrimônio cultural da Humanidade, é um exemplo do que Jean Baudrillard denominaria de semiópolis: a polis como suporte de signos, especialmente os estéticos. Assim o é com a Capital brasileira, mas também impiedosamente maltratada por recalcados que descarregam sobre placas, paredes e até obras de arte toda uma sorte de códigos, mais enigmáticos do que os petroglifos das cavernas, talvez porque àquela época inscrever pré-escritas não correspondesse a linguagens de gangues.

Diz uma sentença romana que o nome dos tolos está em todos os lugares (Nomina stultorum ubicunque est). Visitando ruínas da Babilônia, li o seguinte vandalismo: “Paulo, de São Paulo, esteve aqui”. Ora, não ocorreria a um Gandhi ou a um Einstein esse tipo de registro, embora restaurantes e bares reservem espaços para frases e autógrafos de personalidades. Nesse tipo de painel, vi uma dedicatória de Pablo Neruda. Foi no antigo Mercado Modelo, de Salvador (antes do incêndio). Perenizar as mãos na argamassa tem sido uma olímpica forma de validar prestígio, desde que inventaram a calçada da fama de Los Angeles.

Glória, no entanto, não é pré-requisito obrigatório para a inserção artística nos espaços urbanos. É lugar-comum, em grandes cidades, iniciativas institucionalizadas e incentivadoras desse tipo de participação. O projeto brasiliense Picasso não pichava, provê oficinas de artes plásticas, tintas e pinceis. Para os barbarizadores, no entanto, o fetiche está no que é proibido e não no que é encorajado. Por vezes, grafitar é mais que estímulo, é contrato. Numa das recepções aos calouros, a Universidade de Brasília promoveu a “pintura” de suas paradas de ônibus com surpreendentes stencils tematizando o cotidiano no campus. Renome conquistou Alex Valauri, que mereceu em uma das bienais de São Paulo (1985) uma instalação exclusiva em homenagem à sua “obra” (A festa da rainha do frango assado).

O pior dos mundos, no entanto, é quando os pichadores resolvem interferir sobre as artes murais urbanas, demonstrando mais do que desprezo pela criatividade dos grafiteiros, "oficiais" ou não. Ao tempo das pinturas rupestres, os artistas se respeitavam, não constam que um tenha sobreposto o seu traço ao de outro. Ah! Mas isso foi num tempo em que não havia separação entre o artístico e o sagrado. Todavia, a magia da arte pública ainda persiste. A despeito do desrespeito dos despeitados.
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 * Jornalista. Professor Universitário.  Escritor.
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.php?id=599
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