Chegada à fazenda onde ocorre o retiro, em Miguel Pereira, área rural do Rio de Janeiro.
Silêncio absoluto, isolamento e disciplina monástica atraem 120 pessoas para curso de meditação; repórter conta sua experiência
Objetos de valor ficam na portaria. Quem imaginava um spa no estilo oriental leva o primeiro susto
Objetos de valor ficam na portaria. Quem imaginava um spa no estilo oriental leva o primeiro susto
Sem poder ler, sem poder escrever, sem usar um tocador de mp3 ou CD, sem computador, iPad, e-mail, Facebook. Sem telefone.
A Folha participou do Curso de Meditação Vipassana, um retiro
espiritual de dez dias. Baseado em tradição de 2.500 anos, o Vipassana,
diz o site, deriva de ensinamentos deixados pelo próprio Buda,
transmitidos de geração em geração até hoje.
Dez dias sem saber se o Corinthians sagrou-se campeão mundial de clubes,
se o José Dirceu foi preso, se a mãe comprou seu presente de Natal, se o
mundo acabou como previram os maias. Dez dias para viver como um monge
ou uma monja, praticando os ensinamentos de Buda.
Atrás da promessa da "erradicação das impurezas mentais, da suprema
felicidade e da erradicação essencial do sofrimento" (é pouco?), 60
homens e 60 mulheres aterrissaram no dia 12 de dezembro na fazenda
Dhamma Santi, área rural de Miguel Pereira (120 km do Rio).
Foram todos logo orientados a deixar objetos de valor (dinheiro, documentos, celulares e câmeras) na portaria.
Quem imaginava um spa de extração orientalista para relaxar em meio a
nuvens de incenso, relicários de Buda e bandeiras de oração coloridas ao
vento, à moda tibetana, tomou o primeiro susto.
Zero incenso, zero imagem de Buda, zero bandeira colorida. E zero
pagamento (os organizadores só aceitam doações, em qualquer valor, de
quem passar dez dias lá).
As paredes de tijolo aparente não contêm um só adereço. Das lindas
trilhas abertas nas montanhas recobertas de mata atlântica só podem ser
percorridos menos de cem metros que separam os dormitórios do salão de
meditação e do refeitório. O restante está interditado por placas que
avisam: "Limite". Dali não se passa.
É claro que fumar não pode, como também não pode beber, usar calmantes
"ou qualquer tipo de intoxicante". Então, fica-se assim: das 24 horas do
dia, 12 horas serão dedicadas à meditação e 12 horas servirão para
dormir, alimentar-se, descansar, cuidar da higiene.
"Não tem milagre ou mágica. Não adianta focalizar a mente em uma imagem,
em uma cor, em um som" [refere-se àquele "ommmm" pronunciado com os
olhos fechados], avisa o professor birmanês Satya Narayan Goenka, 88,
principal mestre de Vipassana hoje em atividade.
A voz de Goenka gravada em CDs é a única que se ouve no curso. Ele
canta, recita ensinamentos em páli (a língua falada no norte da Índia no
tempo de Buda), explica em inglês (tudo com tradução).
A ideia da meditação Vipassana é transformar a mente em um scanner que
percorre cada parte do corpo, localizando as sensações agradáveis,
desagradáveis, fortes e tênues que se manifestam. Então, usando de
"equanimidade" (sem avidez ou aversão), vê-se como elas, impermanentes,
efêmeras e mutáveis ("Anicca", em páli), dissolvem-se por si mesmas.
Segundo Goenka, "o autoconhecimento baseado na observação resulta numa mente em equilíbrio, cheia de amor e compaixão".
Mas haja força de vontade. Nos dois primeiros dias, é o próprio Goenka
quem avisa: "A coluna dói, a cabeça dói (muito), pensa-se em desistir".
Tem mais: o tempo não passa, a claustrofobia pega, a chuvarada deixa o
retiro às escuras durante dois dias, aparecem pelo menos três sapos, uma
cobra coral (megavenenosa), duas baratas, um escorpião e um caramujo,
fora os pernilongos.
Duas mulheres não aguentam e "fogem", depois de crises de choro (há testemunhas), dores nas costas (nem precisa) e talvez fome.
A reportagem da Folha emagreceu 3,5 kg nos dez dias de saborosa
alimentação vegetariana. Ainda não sabe se está com a mente mais
equilibrada, "cheia de amor e compaixão".
DA ENVIADA A MIGUEL PEREIRA (RJ)
Ninguém se fala, ninguém se olha ou se toca
Limpava-se o banheiro compulsivamente; Os dias duram muito quando não se pode falar, assistir TV ou passear na internet
A decretação do fim do "nobre silêncio", no último dia do Curso de
Meditação Vipassana, encheu de blá-blá-blá, sorrisos e histórias as
instalações sóbrias do retiro.
Logo se soube que o sapo do banheiro, um anfíbio safado que parecia se divertir assustando as moças que iam tomar uma ducha, foi removido de lá corajosamente pela meditadora Claudete Sarapu, professora de Santo André. Ela o pegou usando um pano de chão como luva.
Ou que a consultora de sustentabilidade Gabrielle Lopez, 26, uma experiente frequentadora de retiros (já fez em Bali e na Costa Rica), a partir do sétimo dia não conseguiu mais acompanhar as meditações, o pensamento vagando disperso. "E por que você ficou?", quis saber a reportagem. "Tinha esperança de que melhorasse", afirmou.
O "nobre silêncio" não se limita a um "cala a boca". Significa "abster-se totalmente da comunicação com outros, verbal ou física, mesmo que por intermédio de gestos ou olhares", em busca do "silêncio mental". Pesa.
Durante toda a vigência desse silêncio em sentido amplo, ninguém sorriu para ninguém. Acabou também a gentileza, que exige interação entre viventes.
Noite fechada, sem luz (a chuvarada havia derrubado a rede elétrica), quem tinha lanterna fez facilmente o percurso entre os dormitórios e a sala de meditação. A quem não tinha, restou torcer para não pisar em uma cobra. Ninguém ofereceu ou pediu carona no facho de luz.
A mesma coisa aconteceu com os portadores de guarda-chuvas. Quem tinha, tinha. Quem não tinha, tivesse. Muitos chegaram à meditação pingando.
Nada favorecia a interação. No refeitório, as pessoas sentavam-se como se fosse em bancos de igreja. Todos voltados para o mesmo lado, de modo que ninguém se encarasse.
Mas o "nobre silêncio" acabou também com a histeria coletiva. Incrivelmente, a aparição de baratas, escorpiões, sapos e cobras não ocasionou um tsunami de gritos.
Na verdade, nenhum grito se ouviu, nem mesmo quando uma barata cismou de voar sobre as meditadoras concentradíssimas. Seria esse o caminho da iluminação?
Em absoluto silêncio, uma jovem levantou-se calmamente e pegou o chamado "kit salva inseto", que consiste em uma vasilha de plástico transparente e uma cartolina.
A vasilha, emborcada, imobilizou a barata, impedindo-lhe a fuga. Então, a cartolina foi enfiada por baixo. E levou-se a barata aprisionada para um matinho, onde ela foi de novo libertada.
Fiel ao princípio budista de respeito a todos os seres, ali não se matam animais -nem os peçonhentos.
Entre as mulheres houve aquelas que, exasperadas pela disciplina rígida, levaram ao extremo o que era possível. Já que era possível lavar roupas, lavava-se roupas todos os minutos de descanso. Esfrega aqui, torce ali, pendura no varal. E de novo, de novo.
Também podia-se limpar o banheiro, então limpava-se o banheiro compulsivamente. Ou varria-se o quarto. E a varanda. Os dias duram muito -demais- quando não se pode falar, assistir à televisão ou passear na internet.
O professor Goenka prometeu em várias de suas palestras (sempre ministradas à noite) que o final do curso viria acompanhado por semblantes felizes, típicos de pessoas maravilhadas com as possibilidades abertas pelos ensinamentos recém-adquiridos.
De fato, no final, mesmo todos sendo obrigados a fazer uma última faxina nas instalações, os semblantes estavam exultantes. Havia felicidade no ar.
Logo se soube que o sapo do banheiro, um anfíbio safado que parecia se divertir assustando as moças que iam tomar uma ducha, foi removido de lá corajosamente pela meditadora Claudete Sarapu, professora de Santo André. Ela o pegou usando um pano de chão como luva.
Ou que a consultora de sustentabilidade Gabrielle Lopez, 26, uma experiente frequentadora de retiros (já fez em Bali e na Costa Rica), a partir do sétimo dia não conseguiu mais acompanhar as meditações, o pensamento vagando disperso. "E por que você ficou?", quis saber a reportagem. "Tinha esperança de que melhorasse", afirmou.
O "nobre silêncio" não se limita a um "cala a boca". Significa "abster-se totalmente da comunicação com outros, verbal ou física, mesmo que por intermédio de gestos ou olhares", em busca do "silêncio mental". Pesa.
Durante toda a vigência desse silêncio em sentido amplo, ninguém sorriu para ninguém. Acabou também a gentileza, que exige interação entre viventes.
Noite fechada, sem luz (a chuvarada havia derrubado a rede elétrica), quem tinha lanterna fez facilmente o percurso entre os dormitórios e a sala de meditação. A quem não tinha, restou torcer para não pisar em uma cobra. Ninguém ofereceu ou pediu carona no facho de luz.
A mesma coisa aconteceu com os portadores de guarda-chuvas. Quem tinha, tinha. Quem não tinha, tivesse. Muitos chegaram à meditação pingando.
Nada favorecia a interação. No refeitório, as pessoas sentavam-se como se fosse em bancos de igreja. Todos voltados para o mesmo lado, de modo que ninguém se encarasse.
Mas o "nobre silêncio" acabou também com a histeria coletiva. Incrivelmente, a aparição de baratas, escorpiões, sapos e cobras não ocasionou um tsunami de gritos.
Na verdade, nenhum grito se ouviu, nem mesmo quando uma barata cismou de voar sobre as meditadoras concentradíssimas. Seria esse o caminho da iluminação?
Em absoluto silêncio, uma jovem levantou-se calmamente e pegou o chamado "kit salva inseto", que consiste em uma vasilha de plástico transparente e uma cartolina.
A vasilha, emborcada, imobilizou a barata, impedindo-lhe a fuga. Então, a cartolina foi enfiada por baixo. E levou-se a barata aprisionada para um matinho, onde ela foi de novo libertada.
Fiel ao princípio budista de respeito a todos os seres, ali não se matam animais -nem os peçonhentos.
Entre as mulheres houve aquelas que, exasperadas pela disciplina rígida, levaram ao extremo o que era possível. Já que era possível lavar roupas, lavava-se roupas todos os minutos de descanso. Esfrega aqui, torce ali, pendura no varal. E de novo, de novo.
Também podia-se limpar o banheiro, então limpava-se o banheiro compulsivamente. Ou varria-se o quarto. E a varanda. Os dias duram muito -demais- quando não se pode falar, assistir à televisão ou passear na internet.
O professor Goenka prometeu em várias de suas palestras (sempre ministradas à noite) que o final do curso viria acompanhado por semblantes felizes, típicos de pessoas maravilhadas com as possibilidades abertas pelos ensinamentos recém-adquiridos.
De fato, no final, mesmo todos sendo obrigados a fazer uma última faxina nas instalações, os semblantes estavam exultantes. Havia felicidade no ar.
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Reportagem por LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA A MIGUEL PEREIRA (RJ)
Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/86489-monja-por-dez-dias.shtml
Relato desrespeitoso, repleto de 'aspas" irônicas a uma prática consolidada que já trouxe inúmeros ganhos a uma multidão e oferecida por uma instituição respeitada em todo o mundo. Poderiam ter mandado alguém que tivesse alguma relação com a filosofia budista ou que, mesmo sem isso, trouxesse dentro de si olhar, sensibilidade e empatia mesmo para atos e vivências que não entende. Lmentável.
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