quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Adélia Prado e o Sagrado Feminino

Devota de Imaculada Conceição,
escritora mineira ADÉLIA PRADO,
autora de QUERO MINHA MÃE,
entre outros livros,
fala de sua fé.


Como você, que misturou o sagrado e o profano em sua obra, vê o Dogma da Virgindade?
ADÉLIA PRADO: Quanto a misturar fervor religioso e sexualidade, não há mistério. A exaltação religiosa, eivada ou não de patologias psíquicas, tem um forte componente de Eros, de felicidade vital. A concepção virginal aparece também na narração fundadora de outras crenças, é um arquipélago, que para nós, católicos, se realiza literalmente em Maria com a encarnação do Verbo Divino, Jesus Cristo, Deus feito homem.

Acha que o aspecto virginal de Maria influenciou a vida sexual das mulheres? Ou será que muitas pedem sua ajuda até na hora da conquista?
ADÉLIA PRADO: É pouco ortodoxo e até desrespeitoso invocar a Virgem Maria para isso. No catolicismo popular, para arranjar bons casamentos recorremos a Santo Antônio ou a São José, não por acaso “esposo de Maria”. Não sei responder como o dogma da virgindade influenciou a vida sexual das mulheres. Reprimindo-as? Valorizando a castidade? A virgindade antes do casamento ainda é, em muitos casos, uma exigência ligada apenas ao orgulho machista, passando ao largo de qualquer devoção. A virgindade de Maria remete e convoca à virgindade real, a quem nem uma récua de filhos e uniões sexuais podem nos tirar, a virgindade do coração, da alma.

No seu dia-a-dia, quando você sente a presença de Maria?
ADÉLIA PRADO: Quando sei calar-me, quando aceito a secundidade do meu papel, quando perdôo, cedo, submeto-me, dou o primeiro passo na reconciliação, no acolhimento, quando abro mão da maledicência, da murmuração, das racionalizações, quando digo o dificílimo sim à morte do ego para que a vontade divina se cumpra, ela, a Virgem Maria, esta presente. Parece um projeto impossível, mas para isso nascemos, nisso devemos empenhar a vida se quisermos, como ensina Kazantizak, ajudar Deus (Nikos Kazantizaks é o autor do famoso ZORBA, o Grego).

Você nunca sentiu-se incomodada pelo fato de Nossa Senhora não fazer parte da Santíssima Trindade?
ADÉLIA PRADO: Sim, sempre. Para pacificar-me, eu a punha em meu coração no lugar de quarta pessoa da trindade. O mistério feminino em Deus, chamado Virgem Maria, produziu e produz coisas belíssimas em hinos, ladainhas, nascidos no lugar onde o homem intui o inefável e produz poesia e oração. Sou gratíssima por alguém com útero e seios ser chamada, não por concessão dos doutores da igreja, de Mãe de Deus e minha mãe.
Não sou órfã mais não.

(Reportagem de Déborah de Paula Souza: Nossa Senhora a mãe de todas as mães./ revista CLAUDIA, maio-2006, pg.225)

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