quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Escute o Natal

MARTHA MEDEIROS

Cada pessoa se prepara de um jeito para o Natal. Eu costumo cumprir os rituais inevitáveis que a época exige, como montar a árvore, comprar presentes e providenciar um jantar especial para receber a família. Mas, como neste período minha emoção fica sempre à flor da pele, me condiciono a algo mais íntimo: seleciono uma trilha sonora adequada ao meu estado de espírito.
Quando se pensa em música de Natal, muitos recorrem a Assis Valente: “Amanheceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/ feliz a rezar...”. Feliz? “Já faz tempo que eu pedi/ mas o meu Papai Noel não vem/ com certeza já morreu...” Eu era criança e achava desolador que o Papai Noel só estivesse vivo para alguns. Desde então, passei a fazer meu próprio playlist natalino.
Gosto de intensidade sonora, fui criada a guitarra. Ainda que aprecie gêneros mais tranqüilos e sofisticados, não adianta: o rock e o blues sempre falaram mais alto aqui em casa. Mas assim que entra a contagem regressiva para o Natal, entro em jejum de qualquer batida mais compassada, tiro de cena todos os Stones e seus discípulos, e abaixo o volume. Juro, sumo até com os Beatles, e sou capaz de cometer assassinatos em série quando escuto “So this is Christmas/ and what have you done....” do John Lennon. Massacrante. Quem ainda agüenta?
Retirada a sonzeira, abro espaço para gêneros que casam perfeitamente com o astral do momento. Jazz tradicional ou jazz moderno: por exemplo, não consigo parar de ouvir Amy Winehouse cantando Love is a Losing Game. Minha Assis Valente deste Natal 2008.
E clássicos. Chopin, Schubert, Mozart.
Coral também é uma pedida. Perdi a conta dos Natais em que ouvi um coral do Harlem chamado Mount Moriah e que enchia a casa com o ritmo gospel.
E música lounge, que me transporta para a beira de uma praia paradisíaca.
E música popular brasileira cantada quase em silêncio, com ternura, sem agressividade, letras amorosas, leves, confortantes.
Eu falei em silêncio?
O barulho das folhas ao vento e os passarinhos que acordam sempre mais cedo que nós, isso ainda dá para se ouvir na cidade (quando o pessoal não está buzinando – por que se buzina tanto nos dias que antecedem o Natal?).
Mas pra quem tem a sorte de estar em algum lugar menos concreto, benditas sejam as ondas do mar quebrando na areia, o barulho de alguma cachoeira escondida no meio do mato, o espocar imaginário de cada estrela que vai surgindo no céu – trilha sonora do Natal.
Hoje, o que eu desejo para todos, além de receberem um abraço que não seja protocolar como tantos que se recebem durante o ano, é que a gente escute o Natal. Que o som dessa noite apazigüe a alma, que sinos toquem dentro de nós, que ninguém levante a voz, que tudo seja suave e que o silêncio transmita todos os votos vindos de longe, daqueles que não puderam estar juntos.
Ivete Sangalo? Melhor deixar pro Réveillon.

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