terça-feira, 23 de dezembro de 2008

NATAL: isso é grego para mim

Deonísio da Silva*

Papai Noel, este sim,
é uma excrescência
de exclusivos fins comerciais

Os pais de Jesus viviam em Nazaré, mas ele nasceu em Belém, na Judéia, então uma província do Império Romano, entre os anos 4 e 6 a.C., por força de um erro de calendário perpetrado por Dionísio, que fixou no ano 1 o nascimento do Nazareno. Quando é condenado à morte, a maior autoridade romana ali é Pôncio Pilatos.

Bem qualificado, como qualquer funcionário romano do alto escalão, Pilatos era poliglota e falava e escrevia fluentemente em latim e em grego. Foi parar no Credo dos Apóstolos, dando origem à expressão "como Pilatos no Credo", pois a citação de seu nome é só para fixar a existência de Jesus na História, identificando a época dos graves eventos ali narrados, quando foi crucificado entre dois ladrões: Gestas, o mau, e Dimas, o bom, que, aliás, deu mote ao Padre Vieira para o Sermão do Bom Ladrão.

Às vezes, porém, Pilatos se atrapalhava nos idiomas. Dialogando em grego e não em latim com José de Arimatéia, este lhe pede o soma (corpo) de Jesus, e Pilatos entende que pediu o ptoma (cadáver).

Esta é uma das explicações profanas da retirada de Jesus da cruz e de seu desaparecimento, depois de medicado e não sepultado no túmulo do próprio Arimatéia, de onde, clandestino, teria seguido para a casa da discípula mais amada, Madalena, e dali para a Índia ou para a Europa, segundo versões ainda mais controversas.

Estão documentados os três anos que antecedem a execução de Jesus, marcados por intensa pregação na Judéia. Os 30 anos anteriores dependem dos relatos solitários dos Evangelhos e assim mesmo não de todos eles, apenas de quatro considerados oficiais. Foram documentados dezenas deles, depois considerados apócrifos, mas é provável que existissem centenas de relatos semelhantes.

O mais simples e mais objetivo é o de São Mateus, que escreve seu Evangelho em aramaico. Foi traduzido depois para o grego e para o latim. Ele narra deste modo o Natal: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindo do Oriente, que perguntaram: ‘onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo’. Ao ouvir isso o rei Herodes perturbou-se e toda Jerusalém com ele”.

Ainda assim, séculos depois os magos foram fixados em três ­ chegaram a ser oito nos primeiros séculos. Eram reis; um era preto, um branco, outro amarelo. E tinham nomes: Baltazar, Gaspar e Merquior. E em 1164, vindos de Milão, seus restos mortais foram parar num dos altares laterais da Catedral de Colônia, na Alemanha, onde estão até hoje.


Os relatos continuaram controversos com outras figuras. Pôncio Pilatos, cuja mulher se chamava Claudia Procula, sucedeu a Valério Grato depois da deposição de Arquelau ­ no tempo do imperador Tibério César ­ e lavou as mãos na morte de Jesus.

Mas não pôde fazer o mesmo quando, mobilizados por messias anônimo, milhares de samaritanos subiram ao Monte Garazim à procura dos vasos de ouro do tabernáculo que Moisés teria enterrado ali. Para dissuadir a multidão, as tropas romanas perpetraram um massacre, pois, ao contrário de cronistas cristãos que quiseram fazer média com as autoridades romanas, pondo a culpa nos judeus, Pilatos era um homem cruel e sanguinário, segundo os relatos de Fílon.


Vitélio, que governava a Síria, delatou Pôncio Pilatos a Tibério César, que chamou o governador a Roma para explicações do morticínio. Mas o imperador morreu nesse ínterim, e Pilatos, destituído, foi banido para Viena, onde se suicidou no rio Reno.

A presença mais controversa do Natal é, porém, outra: a do Papai Noel, este sim, uma excrescência de exclusivos fins comerciais. O verdadeiro Natal é o do Menino Jesus.

Deonísio da Silva - escritor e Professor - É vice-reitor de Cultura da Universidade Estácio de Sá http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/clipatextoorig.asp?pg=jornaldobrasil_117625/102797- 23/12/2008

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