Em pleno gozo de suas faculdades mentais, Atran se interessou em estudar mais a fundo o fenômeno do terror após os atentados de 11 de setembro de 2001. A linguagem apocalíptica do governo Bush e da grande parte da imprensa americana colidia com impacto devastador contra a lógica. Na ação do terror suicida havia método. O pesquisador Atran pesquisou. Conheceu, por exemplo, os estudos do judeu israelense Ariel Merari, da Unversidade de Tel Aviv, evidenciando que terroristas suicidas palestinos procediam de famílias assentadas. Por outros caminho, a paquistanesa muçulmana Nasra Hassan, em Gaza, chegou às mesmas conclusões.
Para Atran foi uma grande guinada cientítica, Ele se apaixonara por antropologia quando foi trabalhar, em 1970, com Margaret Mead no Museu de História Natural, em Nova York. O antropólogo passou décadas estudando culturas humanas dos drusos aos maias. Seu interesse por religião resultou no livro In Gods We Trust (Ed. Oxford University Press, 2002) e lhe deu subsídios para entender melhor o terrorismo islâmico.
Uma advertência: esta entrevista não trata de assuntos agradáveis. A única luz no fim do túnel é a do carro-bomba ou de coisa muito pior.
Primeira Leitura: Matar, degolar ou decapitar não é irracional para a organização terrorista?
Scott Atran: Do ponto de vista organizacional, o método terrorista é altamente racional e efetivo. Líderes do Hamas, por exemplo, argumentam que o terror acelera o recrutamento. E o custo é baixo, uma pechincha se pensarmos no impacto. Um investimento de alguns milhares de dólares pode causar danos na faixa de US$ 1 trilhão. E, se você quiser uma fatia de mercado no processo político, o terror é muito racional. Basta ver Osama bin Laden. Ele era apenas um dos atores da cena do Afeganistão nos anos 80 e nem era particularmente conhecido. E, no entanto, seu método o impeliu para o centro dos acontecimentos. Agora, cada grupo quer imitar o método do terror suicida da Al Qaeda. Entre os palestinos, isso acontece até entre grupos comunistas e seculares. Basta dar uma olhada nos websites. Fazem em nome de Deus.
Primeira Leitura: Mas por que o método se tornou tão efetivo neste momento histórico?
Scott Atran: A Al Qaeda globalizou o fenômeno. Agora é um fenômeno representativo de uma batalha histórica mundial. Tornou-se uma arma privilegiada.
Primeira Leitura: Se o terror suicida é um método, ele pode ser perfeitamente abandonado pela organização?
Scott Atran: No caso da Al Qaeda, não acredito que isso possa acontecer. Mas o Hamas pode tomar outro caminho porque os objetivos são mais limitados, ou seja, estão circunscritos à luta contra Israel. Veja o que aconteceu com o Hezbollah no Líbano. O objetivo foi basicamente alcançado. Era forçar Israel a se retirar do país. Agora o Hezbollah está mais engajado em influenciar o processo político libanês por meios normais. O Hamas voltou a incrementar o terror suicida depois que Israel passou a assassinar seus líderes políticos. Agora temos um círculo vicioso. Quando eu perguntei a um dos mais importantes líderes da segurança insraelense qual evidência existia de que o assassinato do xeique Ahmed Yassin (líder espiritual do Hamas morto em março/2004) seria efetivo, ele admitiu que basicamente tinha esperança, não evidências. No caso da Al Qaeda, a eliminação de dois terços da liderança não diminuiu a capacidade de atuação. Estudos mostram que as células da organização estão mais fortes. As pesquisas de Katheleen Carley, da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, mostram que a política de assassinatos empreendida por Israel é contraproducente.
Primeira Leitura: Por que algumas organizações recorreram ao terror suicida e outras não? Por exemplo, o IRA...
Scott Atran: Uma pessoa disfarçada de ativista muçulmano em grupos jihadistas infiltrou-se no IRA. Ela tentou estabelecer contatos e perguntou por que o grupo não recorria ao terror suicida. A resposta foi que alienaria a organização. O terror suicida, evidentemente, não se limita à cultura muçulmana, mas ali tem sido muito mais efetivo. Terror suicida é um fenômeno cultural.
Primeira Leitura: Depois dos atentados de Madrid, em 11 de março de 2004, o Senhor escreveu no The New York Times que existe uma falsa premissa sobre uma rede transnacional de terror encabeçada pela Al Qaeda e que seria mais provável a existência de grupos e células autônomas que buscam objetivos regionais. Como, portanto, é possível haver uma estratégia global de combate ao terror?
Scott Atran: Os jihadistas são um fenômeno muito especial, em uma missão histórica em que escolheram os EUA como inimigo estratégico, ao lado das Nações Unidas e do próprio conceito de Estado-Nação. Bem, então, o que fazer? Há dois ingredientes para a sobrevivência dos jihadistas. O primeiro é a estrutura da organização em si, e outro é o próprio popular. É preciso penetrar na organização e drenar o apoio popular. Sem esse apoio, os jihadistas morrem. A drenagem vai acontecer se os EUA cessarem o apoio a governos corruptos do mundo árabe que negam liberdades civis à população. Não há correlação entre renda per capita e terrorismo, mas há forte relação do radicalismo com a negação de liberdades civis. Aqui quero esclarecer melhor um ponto: há um tipo especial de relação entre terror e situação econômica. São as crescentes aspirações por expectativas frustradas. Não importa se você é rico ou pobre, mas, se suas aspirações estão em alta e lhe puxam o tapete, é mais provável que você recorra à violência revolucionária. Tocqueville explicou que a Revolução Americana foi menos violenta do que a Francesa porque os franceses foram frustrados mais rapidamente. Esse fenômeno existe hoje no mundo muçulmano, num arco que vai da Argélia à Indonésia. Não há oportunidades políticas e econômicas. Muitos terroristas suicidas do 11 de Setembro estavam subempregados ou tinham pouca chance de trabalho para seu nível educacional.
Primeira Leitura: Mas aqui não há uma contradição com o que o Senhor disse antes, que gente desesperada não é ideal para os recrutadores do terror?
Scott Atran: Entendo a sua dúvida. Mas eles não estavam pessoalmente desesperados. Suas esperanças de expressão política e de oportunidades econômicas tinham sido cortadas.
Primeira Leitura: E o Senhor fica desesperado com George W. Busch? Alguma possibilidade de mudança no método de combate ao terror?
Scott Atran: Não acredito. Pode haver uma mudança aqui ou ali. Mas a estratégia continua sendo ignorar as nuanças presentes nas raízes do terrorismo.
Primeira Leitura: Quais são os maiores erros de cálculo e mitos na guerra contra o terror?
Scott Atran: São tantos. O maior erro é acreditar que haja relação entre os chamados “Estados delinqüentes” e as redes terroristas ou imaginar que ambos estejam unidos em uma missão maligna. Estamos diante do mais catastrófico fiasco estratégico dos Estados Unidos. O resultado foi a criação das alianças que eram tão temidas.
Primeira Leitura: Quais são suas expectativas sobre Jonh Kerry?
Scott Atran: Creio que ele está consciente dos erros estratégicos cometidos no governo Bush, mas acho que ele não tem integridade suficiente para fazer mudanças necessárias. E reconheço que tal postura poderia ser um suicídio político. Mas o que faz um grande estadista é a capacidade para assumir riscos mesmo que isso resulte em instabilidade política.
Primeira Leitura: Como levar em conta as reinvindicações e clamores do terror islâmico sem negociações ou concessões diretas?
Scott Atran: Há centenas de milhões de pessoas sem saber o que fazer, pressionadas pelos dois lados. Pelo discurso americano, você está a favor ou contra. Esse é o mesmo discurso dos jihadistas. É preciso levar em conta essas centenas de milhões de pessoas e suas aspirações de liberdades civis e oportunidades econômicas. Os EUA fariam um grande favor se abandonassem seus direitos planetários de intervenção, embora eu reconheça que não possa haver um retirada unilateral e repentina da confusão iraquiana.
Primeira Leitura: Nenhuma luz no fim do túnel?
Scott Atran: Temo que vamos sofrer terror nuclear ou químico-biológico. Em termos políticos, será preciso uma geração para reconstruir a esperança no mundo árabe. Para mim, o conflito Israel-palestino é paradigmático desse estado de desalento. Maioria maciças nos dois lados queriam acreditar em acomodação. Mas chegamos a um ponto em que o ciclo de desconfiança bloqueia qualquer solução diplomática.
(Reportagem-Final/Revista PRIMEIRA LEITURA, ed. nº28, junho/2004, pp.24/27)
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