Fernando Reinach*
Com a descoberta dos antibióticos, da eletricidade e do telefone, a ciência contribui para o progresso com tecnologias desenvolvidas com base em descobertas científicas. Mas provavelmente a maior contribuição venha de descobertas que contradizem nossas crenças ou desejos. É o caso de Galileu, que demonstrou que não estamos no centro do Universo, e de Darwin, que descobriu que viemos de outro primata. Recentemente, a Ecologia nos forçou a aceitar e reavaliar nossa capacidade de destruir o planeta.
Mas não é só nas grandes questões que a ciência produz verdades inconvenientes. Faz dez anos que Ian Deary descobriu que crianças com QI mais alto vivem mais. É desagradável e politicamente incorreto acreditar que um teste simples, feito aos 10 anos, possa prever a longevidade de nossos filhos. Apesar das críticas, a observação foi confirmada. O problema é que, até agora, foi impossível descobrir a causa do fenômeno.
Para entender o problema, é preciso separar o que foi descoberto da maneira como a descoberta foi divulgada. Em 1998, Deary localizou um grupo de escoceses que havia sido avaliado por testes de QI em 1932. Ele descobriu que o grupo das crianças que havia obtido resultados melhores tinha mais representantes vivos quando comparado com os grupos que tinham obtido notas piores. A maneira simplista de descrever o resultado pode ser: pessoas inteligentes vivem mais.
A relação entre os resultados dos testes e a inteligência, difícil de definir ou medir, é polêmica. Em um pólo encontramos cientistas que gostariam de defini-la como a capacidade de ter notas altas nos testes de QI, uma maneira fácil de escapar do problema. Em outro estão biólogos que crêem que os testes só medem a capacidade de responder testes de QI. A maioria acredita que os testes avaliam parte do que chamamos de inteligência. O fato é: quem tem QI alto vive mais.
Atualmente existem quatro hipóteses para explicar a observação.
A primeira é que pessoas “inteligentes” levam vidas mais saudáveis, pois tomam decisões “corretas”, como evitar o fumo.
A segunda é que nossa sociedade valoriza a inteligência e crianças com QI alto tendem a ter uma educação melhor e, sendo mais bem remuneradas, têm melhores condições de vida.
A terceira é que um QI mais alto na infância demonstra que a criança sofreu menos nos anos anteriores e isso seria determinante para sua longevidade. Esse sofrimento na infância pode ter origens físicas ou sociais.
A quarta é que um QI mais alto na infância é conseqüência de corpo e cérebro com menos defeitos genéticos. Essas hipóteses estão sendo testadas e ainda não existem respostas. O interessante desse exemplo é que, dependendo da hipótese que for comprovada, a relação entre QI e longevidade pode ter conotações muito diferentes. A causa pode ser social ou as diferenças genéticas podem ser as únicas responsáveis. Vamos ter de esperar.
Talvez fosse mais fácil esquecer ou desqualificar a descoberta de Deary. Mas não é a maneira de operar da ciência, que entrega à sociedade o dilema de como conviver com descobertas que nos forçam a mudar a maneira de ver o mundo. É a tradição de Galileu e Darwin.
Mais informações: Why do intelligent people live longer? Nature, vol. 456
http://www.estado.com.br/editorias/2008/12/04/ger-1.93.7.20081204.10.1.xml
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