Moacyr Scliar
“Madonna não estava sozinha nessa escolha:
acompanhavam-na o então marido, Guy Ritchie,
a cantora Britney Spears,
a atriz Demi Moore”
Apesar da crise, um fim-de-ano para ninguém botar defeito: Ronaldo no Corinthians, Roberto Carlos e Rita Lee juntos no palco e, claro, Madonna, uma turnê mais esperada que a de Frank Sinatra, que durante anos prometeu vir ao Brasil (e no final veio mesmo). É a glória dos veteranos, sobretudo a glória de Madonna que, aos 50 anos, não cessa de surpreender os fãs. Isto aconteceu inclusive quando ela aderiu à Cabala, corrente mística judaica que inclui uma peculiar concepção do universo e uma curiosa numerologia, baseada no fato de que, no hebraico antigo, havia uma correspondência entre letras e números. Assim, o número 18 era um número da sorte porque corresponde às letras que formam a palavra “hai”, vida.
Num caso, ao menos, a regra não funcionou. Estou falando do tradicional Esporte Clube Cruzeiro (de Porto Alegre, não de Minas) um time pequeno que tinha, segundo o folclore porto-alegrense, 18 torcedores (incluindo este colunista e seu pai). Apesar do número da sorte, o Cruzeiro nunca ganhou um campeonato, para desgosto dos 18. De qualquer modo, a Cabala sempre teve adeptos, sobretudo, como observa Gershom Scholem, grande estudioso do tema, no fim da Idade Média, quando a modernidade bagunçou velhas crenças e estruturas. É nesse momento que a ciência se associa à magia; astrologia e astronomia estão juntas, bem como a química e a alquimia. A Cabala difundiu-se enormemente, tanto entre judeus como entre cristãos.
É difícil dizer por que Madonna tornou-se crente da Cabala, mas ela o fez para valer, doando enormes quantias para uma “casa de acolhimento” de adeptos da Cabala em Londres e para uma escola cabalista. Começou a usar um bracelete que supostamente funcionaria como amuleto e a freqüentar um centro cabalista na Califórnia, um estado que, como se sabe, tradicionalmente atrai cultos e seitas os mais estranhos. Segundo rabinos praticantes da Cabala, o centro não passaria de vigarice.
Madonna não estava sozinha nessa escolha: acompanhavam-na o então marido, Guy Ritchie, a cantora Britney Spears, a atriz Demi Moore. Aliás, é antiga a associação de Hollywood com movimentos místicos e religiosos. John Travolta, Lisa Marie Presley (filha de Elvis), Isaac Hayes, Tom Cruise e outros fazem ou fizeram parte do “Centro de Celebridades”, ligados à Cientologia, uma “filosofia religiosa” criada pelo escritor de ficção científica L. Ron Hubbard e que inclui crença em vidas passadas e na imortalidade (nada a ver com a ABL).
Pergunta: o que leva pessoas ricas e famosas a procurar apoio em práticas, digamos, heterodoxas? Talvez isso resulte de uma inquietude espiritual; talvez, como mencionam matérias publicadas na mídia americana, seja até uma forma de promoção pessoal. Mais provavelmente, porém, trata-se de insegurança pura e simples. Fama é uma coisa tão inconstante como a Bolsa de Valores, cujas cotações, em matéria de segurança, nunca chegam aos pés dos números cabalísticos. A insegurança quanto ao futuro — quem hoje está por cima amanhã pode estar por baixo, quem hoje faz manchetes amanhã talvez esteja olvidado — faz com que pop stars agarrem-se a qualquer crença, a qualquer guru. Mais que isso, precisam trocar essas crenças e esses gurus como quem troca de roupa. Ou de bracelete, cabalístico ou não.
*Moacyr Scliar, escritor ecolunista quinzenal/Correio Braziliense
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 19/12/2008
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