sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

REALIZAÇÃO NO TRABALHO

Renato Janine Ribeiro*
O maior helenista francês dos últimos tempos, Jean-Pierre Vernant, mostra, num belo ensaio, que os gregos distinguiam vários tipos de trabalho, desprezando o manual, mas exaltando a “práxis”, a ação em que o que o homem produz á sua própria criatividade. É assim que o homem constrói, em conjunto, sua própria atividade. É assim que o homem constrói, em conjunto, sua própria humanidade. O trabalho sobre si terá a ver com o uso sofisticado das paixões para nos levar à felicidade, que por sinal, Foucault estudou em suas últimas obras. A questão é não sermos escravos, nem de outro homem, nem das paixões. Na verdade, o pior cativeiro é o que nos prende às paixões. O saber e a sabedoria nos libertam desses grilhões.

Que dizer, então, da realização moderna no trabalho? Nossa separação entre trabalho manual e intelectual não é a mesma dos gregos, porque ambos são e devem ser plenamente produtivos. Enquanto, para os antigos, havia um forte elemento de não-produtividade na scholé, de gratuidade, comportando uma riqueza ética e estética, mas não monetária, para nós, praticamente todo trabalho envolve produção. A própria idéia do trabalho sobre si é minoritária em nosso mundo. Aparece na religião, nas academias (o Workout, exercício físico) e em algumas terapias.

Uma meta contemporânea. Realizar-se no trabalho produtivo tornou-se, porém, uma grande meta de nossos tempos. Foi ficando cada vez menos suportável ter um trabalho desagradável ou que seja apenas um meio para ganhar dinheiro. A propaganda da TAM fala no “prazer de voar e de servir” que teriam seus comissários de bordo. Quando as francesas começaram a entrar em massa no mercado de trabalho, nos anos 1970, comentavam com freqüência que queriam ganhar dinheiro para serem independentes, mas não queriam um trabalho convencional (como o da maioria dos homens), que não trouxesse realização alguma e durasse o dia inteiro. É uma pena que o mundo não se tenha moldado a esse ensaio feminino de trabalhos criativos de meia jornada. Temos todos os meios técnicos para isso, com os ganhos de produtividade obtidos no último século.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP). http://www.renatojanine.pro.br/.
(O excerto é parte do artigo A REALIZAÇÃO NO TRABALHO e se encontra na revista Ciência & Vida/Filosofia, novembro/2008, Pg.14/15).

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