quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Religião e violência


Glaucio Ary Dillon Soares*

Com a aproximação do Natal, os temas da religião e da vida espiritual voltam à baila, juntamente com perguntas centenárias. Num país como o Brasil, no qual a violência é muito grande e os jovens representam alta proporção tanto das vítimas quanto dos agressores, uma velha pergunta se impõe: a religião tem alguma coisa a ver com a violência da juventude? Aumenta ou diminui a qualidade da vida dos jovens?
Há muitos estudos que tentam dar resposta a essas perguntas mas, infelizmente, poucos foram realizados no Brasil. Os Estados Unidos são um país que estimula pesquisas de todo tipo, inclusive sobre a intercessão da religião com a juventude. Para sintetizar o que se sabe, Dew e outros pesquisadores da Universidade de Duke fizeram revisão de 115 artigos científicos que analisaram uma série de relações entre a juventude e o uso de drogas, a delinqüência, problemas psiquiátricos, como a depressão e a ansiedade, a propensão ao suicídio etc. Em 92% deles havia, pelo menos, uma relação estatisticamente significativa entre a religião e uma das dimensões da saúde mental. A religião e a religiosidade diminuem os problemas mentais e comportamentais. O impacto mais forte é sobre o consumo de drogas.
Outro trabalho semelhante, de revisão sistemática da literatura científica, foi feita por Larson e Johnson em 2003. Analisaram nada menos do que 402 artigos que pesquisaram a relação entre religião e delinqüência. Foram rigorosos, selecionando, apenas, os artigos metodologicamente sólidos. Sobraram 40. Diferenciaram aspectos da religião: a freqüência aos ritos (missas etc.), a importância atribuída pelos entrevistados à religião, o estudo das escrituras, a freqüência das orações, a religião dos entrevistados e a participação em atividades religiosas dentro e fora da igreja ou templo. Quase todas as pesquisas mostravam que a religião agia contra a delinqüência: maior religiosidade, menor o risco de que o jovem cometesse atos delinqüentes.
Lisa Wallace e colaboradores fizeram análise mais sociológica dessas relações. Estudaram alunos da 6ª, 8ª, 10ª e 12ª séries. Se concentraram em 10 tipos de comportamentos delinqüentes, sendo o pior levar armas de fogo para a escola. Seis variáveis independentes protegiam os alunos contra a delinqüência: o compromisso e identificação com a escola ou colégio, o compromisso com a própria educação e a aceitação da legitimidade das normas da escola. A família também pesava: a participação dos pais na vida escolar dos alunos e a relação emocional dos alunos com suas famílias contavam muito.
Além desses fatores, estava a religião que também protegia o aluno. Entre as crianças menores, a família era o fator protetor mais importante e a religião era um fator de peso. Ironicamente, entre os adolescentes menores (que estavam na 8ª e na 10ª séries), que buscavam independência em relação a suas famílias, a religião também perdia parte de sua capacidade protetora, mas a retomava mais tarde, entre os adolescentes maiores e os jovens adultos. Nesse grupo mais velho, o efeito da religião era semelhante ao da família e o da identificação com a escola — juntos.
E no Brasil? Sabemos pouco. Vários estudos observacionais, não sistemáticos, descrevem a religião como uma força que compete, mas não colide, com o tráfico nas áreas mais pobres e violentas. Nelas, o trânsito entre denominações pentecostais e entre elas e o tráfico é relativamente intenso. Infelizmente, esses estudos não são sistemáticos. Um dado sólido, que representa o início de uma linha de pesquisa e não o seu auge, é a correlação negativa (-0,53) entre a percentagem da população que afirma ter uma (qualquer) religião e a taxa média de homicídios entre 1996 e 2002, usando os municípios brasileiros como observações. Um detalhamento dessa pesquisa mostra que, em 24 estados, a existência de mais pessoas religiosas corresponde a menor taxa de homicídios.
Historicamente, há muitos casos tristes de guerras e violência estimulados ou cometidos por religiões. Ainda hoje, há interpretações equivocadas de textos religiosos, que têm levado à invasão militar de uns países por outros e a atos de terrorismo. Não obstante, no nível individual, os dados e a bibliografia de que dispomos mostram que a religião reduz o crime e a violência, mas com intensidade variável.
No Brasil, o maior país católico do mundo, com uma taxa alta de crescimento de evangélicos, um número significativo de espíritas, sobretudo na classe média, e religiões afro-brasileiras muito importantes em alguns estados, as pesquisas empíricas sobre as relações entre religião, por um lado, e crime e violência, por outro, são escassas. No mínimo, uma contradição.
*Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 18/12/2008

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