Roberto Romano*
Schmitt usa frases rápidas que geram persuasão capaz de obnubilar a mente dos jejunos em sofística. Mesmo W. Benjamin já sofrera os seus encantos no livro A origem do drama barroco alemão. Naquele escrito, o conceito de Schmitt sobre a ditadura é acolhido como se não fosse um pilar do previsível Estado nazista. Benjamin não problematiza o enunciado que reza ser “soberano, quem decide sobre o estado de exceção”. Outros empréstimos de Schmitt são visíveis naquele escrito. Mas o seu cochilo é inocente perto das asserções de rara leveza ética, redigidas por Agambem e pares sobre os poderes democráticos, por eles incluídos na “exceção”.
Schmitt é racista e sua maneira de pensar não pode ser aproveitada para a invalidar o Estado e a sociedade onde vigoram os direitos humanos. A democracia tem falhas, mostradas por Platão e Hobbes. Se ela resistiu aos ataques daqueles pensadores, as fórmulas de Schmitt estão longe de aniquilar as noções de Constituição e de Estado de direito. Com seus artifícios, ele não efetuou a tarefa de coveiro da liberdade. Foi preciso o Holocausto para levar sua missão ao fim genocida. Quem deseja controlar minha análise leia, ou releia o texto de Schmitt intitulado Estado, movimento, povo (Staat, Bewegung, Volk, Hamburg, Hanseatische Verlagsanstalt, 1933; tradução italiana em Schmitt, C. : Principii politici del nazionalsocialismo, Firenze, G.S. Sansoni, 1935) ".
Schmitt indica três elementos da unidade política: o Estado, o movimento nazista, o povo alemão. E parte em guerra contra a noção de uma universalidade política. Ele ataca a igualdade legal dos componentes sociais e políticos do Estado. Mesmo o conceito de Allgemeine Staatslehre (doutrina geral do Estado) é por ele rechaçado como preso ao pretérito liberal da Europa. A própria palavra Allgemein (geral), diz ele, sugere um Estado de todos, incompatível com o Estado nazista, apenas e tão somente dos alemães legítimos. Ao dizer “povo”, Schmitt visa o alemão de raça ariana, à exclusão dos que, mesmo com a nacionalidade formal alemã, pertenceriam a outras etnias. Judeus, ciganos, negros, turcos, árabes seriam alheios e inimigos do povo tedesco. É preciso cuidado com a palavra “povo” nos escritos schmittianos. Brasileiros não alemães, por exemplo, estão expulsos de sua definição do povo. Aplicar o termo ao Brasil e à sua Carta Magna, além de um erro na exegese do autor, é temeridade ética e política.
Segundo Schmitt, cada um dos itens (Estado, Movimento, Povo) poderia exprimir “a unidade política” do nazismo: “O Estado no sentido estrito como parte político-estática, o movimento como o elemento político dinâmico, o povo como elemento não político que se desenvolve e cresce sob proteção e à sombra das decisões políticas” (Schmitt). O movimento, continua o autor, pressiona e lidera o Estado e o povo. A liderança que define o movimento é algo próprio do nazismo. Com essa noção tripartite, Schmitt nega os ritos da justiça conhecida em todos os regimes políticos anteriores ao nazismo, mesmo no Estado absoluto. É conhecida a história do moleiro que processou o rei prussiano. E ganhou a causa. Schmitt alerta para que decisões políticas jamais cheguem às cortes de justiça, porque no seu entender a igualdade das partes, inerente ao devido processo legal, permitiria atividades “do inimigo aberto ou oculto do Estado Novo” (Staat, Bewegung, Volk citado, p. 21). Teratologias assim são a regra em Schmitt.
Schmitt queria o Estado livre das cortes de Justiça, para evitar que os governantes pudessem ser questionados. Ele não é único na faina de negar à cidadania o direito de obter reparações ou impedir atos ilegítimos. R. Höhn, seu protegido e depois concorrente no poder nazista, também ele jurista, concorda que seria perigoso levar o Estado e o movimento ao devido processo legal. Ambos atacam G. Jellinek porque este teria reduzido o Estado à personalidade abstrata para garantir direitos públicos aos indivíduos. No entender de Höhn “O Estado como pessoa legal e o conceito de comunidade se excluem mutuamente”. (Cf. Stirki, Peter M. R. Twentieth-century German Political Thought, ed. cit. p. 90).
*Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Unicamp.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1609484&area=2190&authent=94DF804EBBBFF2AC4DB8DC832DCA3E
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