sábado, 20 de dezembro de 2008

Madonna e madonas medievais

JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA


A famosa cantora e atriz Madonna está circulando pela América Latina. Em São Paulo, faz hoje o penúltimo show.

Aos 50 anos recentemente completados, prossegue como figura polêmica e impactante, pois acessa alguns núcleos de conflito moralista onde quer que se apresente.

Nas nações sul-americanas, o maior reflexo reacionário foi o do Chile. Semana passada, logo que desembarcou no solo andino, foi criticada por dom Jorge Medina, cardeal emérito chileno e ex-presidente da Congregação da Doutrina da Fé do Vaticano. Como elevada autoridade religiosa, o eminente clérigo tem opinião importante e decisiva para a maioria católica da América do Sul.

Textualmente, a mídia divulgou o comentário do cardeal, realizado durante uma missa: “Estes dias estão bastante agitados em nossa cidade porque está chegando essa mulher que, com um atrevimento incrível, provoca um entusiasmo louco, que é um entusiasmo de luxúria. Os pensamentos de luxúria, os pensamentos de impureza (...) são uma ofensa a Deus e uma mancha, uma sujeira no nosso coração”.

Essa observação lembra as lendas do súcubo, demônio em forma de mulher que seduzia os homens (especialmente monges) e revive toda a tradição católica impregnada de moralismo e machismo que associa a mulher a uma pecadora carnal.

Também nos remete para a Baixa Idade Média, período compreendido entre os séculos 11 e 15, em que a sociedade era dominada pela Igreja Católica — os bens culturais que restaram na Europa ficavam sob a guarda dos monastérios.

O clima medieval se sustentava pela Inquisição e sua forte repressão sexual. A ciência e a arte seguiam atreladas a essa castração.

No início do século 16, esboçava-se o Renascimento. A Europa fervilhava de iniciativas e novidades que repercutiriam decisivamente mais tarde, já na aproximação do século 17. Mas o domínio católico persistia: naquela época, um súcubo esculpido no exterior de uma estalagem indicava que o estabelecimento funcionava também como um prostíbulo.

O pintor italiano Rafael alcançava o auge de seu trabalho enquanto surgia o Renascimento. Uma das suas obras maiores foram as madonas (uma delas é muito usada em santinhos). Leonardo da Vinci, seu contemporâneo mais influente, legou-nos a sua: a extraordinária Mona Lisa, terminada em 1507.

Saltando meio milênio, deparamos com Madonna apresentando um show impecável, de apurada tecnologia artística. Profissionalmente forte e talentosa, ela tem vários sucessos da música pop e um prêmio no cinema como Evita.

Aliás, em Buenos Aires, há uma quinzena, os argentinos a saudaram freneticamente, esquecidos de que muitos não concordavam que ela interpretasse a madona peronista.

Se realmente ela pretende polemizar, se porta um crucifixo combinado com lingerie como provocação, se um dos seus irmãos fez uma biografia vingativa, se é uma celebridade conhecida em todos os cantos do mundo, o que importa?

Hoje, o conceito de pessoa célebre é esdrúxulo e tolo. Idolatrar alguém, acompanhar seus passos para registrar fofocas, valorizar qualquer coisa que ela diga não passa de bobagem.

Por outro ângulo, quando vemos condutas reacionárias e conservadoras, especialmente das religiões, não há como concordarmos, só podemos respeitá-las como opiniões.

A verdadeira decência não está na castidade ou nas roupas vestidas. Estas, muitas vezes, favorecem as máscaras da hipocrisia e a impostura.

Os verdadeiros pecados não são sexuais. Só a pedofilia e o estupro merecem tal condenação, bem como a corrupção, o crime, a mentira, os exageros do capitalismo selvagem.

O sexo adulto, consensual, seguro e o erotismo artístico são virtudes humanas próximas do amor.

A arte de Madonna não se eternizará como a de um renascentista, mas ela criou uma “santa malícia”, ressuscitando a sexualidade do mundo sagrado, prestando enorme favor à humanidade.
Na Antiguidade, indica Georg Feuerstein, os templos eram também palcos do amor erótico.

Boas festas aos leitores!


Interajam no GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor) através do site: http://www.blove.med.br/.

*Joaquim Zailton Bueno Motta é médico psicoterapeuta e sexólogoE-mail: jzmotta@uol.com.br
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.aspnoticia=1612398&area=2190&authent=82034C4FD67332BA9174DDEEE10A28/20/12/2008

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