sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

FALA SÉRIO


Moacyr Scliar
“Pelo jeito, o Brasil agora quer
ser um país sério:
sério na política,
sério na economia,
sério até no crime”
Façam a experiência que eu fiz: entrem no Google e digitem uma curta frase: “Fala sério”. Vocês terão uma surpresa. Existem quase 2 milhões de referências a respeito. “Fala sério” é nome de blogs, de periódicos, de uma banda (“Tô solteiro, ô, ô, ô/ Quer namorar comigo?”). Há vários livros com este título, dois da autora juvenil Thalita Rebouças (Fala sério, amor e Fala sério, professor), além de um terceiro intitulado simplesmente Fala sério, da autoria de Andrea T. Matheus e Evelyn Eisenstein, que esclarece dúvidas de adolescentes sobre vários assuntos.
Claro, pedir que a pessoa fale sério não é novidade nem aqui nem em outros países. Desde o “no kidding”(“não brinca”) dos Estados Unidos até o “você está de brincadeira” brasileiro, a frase é uma constante, mas o “fala sério” parece ter se generalizado numa proporção nunca vista. Pergunta: é uma coisa casual, um modismo, ou é uma tendência?
Meu palpite é de que se trata de uma tendência, algo relacionado à conjuntura social, política e cultural que o país vive. O Brasil sempre teve fama de ser uma país de pouca seriedade, em que as coisas não eram ditas ou escritas ou feitas para valer. Isso chegou ao auge nos anos 1960, quando da crise política entre Brasil e França, desencadeada pela chamada guerra da lagosta. Na ocasião, pesqueiros franceses que capturavam o crustáceo (muito valorizado pela “cuisine” gaulesa) foram detidos, o que gerou um bate-boca sobre a extensão das águas territoriais brasileiras e um conflito envolvendo os dois governos.
Surgiu daí um quiproquó. “Le Brésil n’est pas um pays”, o Brasil não é um país, teria dito o presidente francês Charles de Gaulle, numa frase obviamente ofensiva. Para atenuar (?) o problema, o embaixador do Brasil em Paris, Carlos Alves de Souza, teria acrescentado o adjetivo sérieux, sério – o que, acho, tornou a emenda pior do que o soneto. A crise acabou resolvida, mas De Gaulle ficou como autor do malfadado “o Brasil não é um país sério”, coisa que negou até a morte. Sem resultado; essas coisas grudam mais que cola-tudo e a pobre Maria Antonieta disso é um exemplo: ela jamais falou acerca dos pobres, “se eles não têm pão, que comam brioches”, mas passou para a história como autora dessa tola frase.
As coisas mudaram. Pelo jeito, o Brasil agora quer ser um país sério: sério na política, sério na economia, sério até no crime: o amável batedor de carteiras que partia do princípio da medicina hipocrática segundo o qual primum non nocere, antes de mais nada é preciso não prejudicar, deu lugar ao criminoso frio e implacável que fuzila suas vítimas sem dó nem piedade. Agora as coisas são feitas às claras, incluindo, em muitos casos, a corrupção e o tráfico de influências. No plano internacional, o Brasil resolveu assumir, seriamente, seu papel de potência emergente.
Resultado: como diz o veterano correspondente da revista Newsweek no Brasil, Mac Margolis, em artigo recentemente publicado, durante muito tempo os latino-americanos viram nos Estados Unidos o alvo preferencial de seu nacionalismo. Mas, com os americanos envolvidos em conflitos noutras regiões (e às voltas com a crise financeira), o alvo mudou. Segundo essa ótica, mostra Margolis, o país imperialista agora é o Brasil. O Brasil, imperialista? Fala sério, hermano.
É bom ser sério? É. Desde que a seriedade não se transforme numa obsessão, num jeito rancoroso de encarar a existência. Ser sério não é ser carrancudo. Portanto, o Brasil não tem por que renunciar ao humor e à amabilidade que durante muito tempo foram considerados característicos de nossa gente. Falemos sério, sim. Mas falemos sério de uma forma humana, generosa. E aí não precisaremos, como De Gaulle, nos explicar. Além do que, viveremos muito melhor.
Moacyr Scliar in Correio Braziliense, 05/12/2008 - http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/

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