segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Os direitos humanos e os homens sem direitos Villas-Bôas

Mauro Santayana

Quinta-feira, a Declaração Universal dos Direitos Humanos fará 60 anos. Quando se declara um direito, afirma-se que ele está sendo negado: a mera declaração não impõe que seja respeitado, nem mesmo reconhecido. São apenas palavras que se lêem, como Hamlet responde a Polônio, ou, em outra passagem de Shakespeare (Troilus and Cressida): words, words, mere words, no matter from the heart.

O direito à vida compreende todos os outros direitos. Somos companheiros dos répteis e das moscas, mas, da mesma forma, das borboletas e dos pássaros, na aventura da vida. Ao nos distanciarmos, pela lenta evolução da inteligência, da linguagem e das emoções, do resto da natureza, construímos, para nosso consolo e sofrimento, identidade especial, e é com ela que nos movemos, do nascimento à morte, nesse curto intervalo a que chamamos vida. A luta do ser humano é a luta pelo usufruto do privilégio de haver nascido, contra a usurpação dos mais fortes. A defesa do ato de viver, comum aos outros seres animados, se amplia com a razão da espécie humana, para estabelecer as sociedades políticas. Nessas comunidades, que nasceram para ser justas, se desenvolve a luta permanente entre a egoística busca da supremacia, em bens e em poder, e a solidária aspiração à igualdade.

Uma declaração de direitos pode ser bandeira revolucionária, como foi a de 1789, na França. Os membros da Assembléia Nacional, quando aprovaram a Déclaration des droits de l'homme et du citoyen, não faziam o mero reconhecimento dos direitos dos homens e dos cidadãos (detentores da vontade de poder), mas estabeleciam o preâmbulo e o núcleo ideológico da Constituição que pretendiam. Era mais do que declaração: era projeto de sociedade e de Estado para a nação – e para o mundo. Mas a Declaração da ONU, de 1948, pode ter sido apenas a manifestação do remorso da comunidade internacional, que não soubera evitar o colonialismo, a tortura e o genocídio que haviam marcado a primeira metade do século 20 – e continuaram a marcar até este início de novo século.

Para o primado da razão no mundo, é necessário impor os direitos da vida. Durante estas últimas seis décadas, com a ameaça permanente de novo conflito mundial, os povos pobres continuaram submetidos a guerras cruéis, ao pavor de armas como o napalm e a dioxina e munições com urânio e cobalto, a bombas de fragmentação; ao bloqueio econômico, às pressões diplomáticas e aos governos títeres, construídos pelo poder econômico mundial. Tratou-se de impedir a plena independência das ex-colônias, que se haviam rebelado contra o jugo estrangeiro, como ocorreu no Vietnã, nos outros países da Ásia e em várias regiões da África e da América Latina.

No mesmo ano de 1948, com a criação do Estado de Israel pela ONU – como ressarcimento histórico ao Holocausto – agravou-se o sofrimento dos palestinos, também semitas, que nada tinham a ver com Hitler e seus sequazes, e são etnicamente mais próximos dos antigos hebreus do que os recém-chegados. Desde 1948, expulsos de suas terras, vivendo de parcas rações da ajuda internacional, em espaço exíguo, cercado por alta muralha, com o fornecimento de água e energia interrompidos com freqüência pelos ocupantes estrangeiros, os palestinos são o clamoroso testemunho de que a Declaração não passa de "palavras e palavras, meras palavras, não matéria do coração".

Dizia Marx que a filosofia se dedicara a explicar o mundo, e que chegara o momento de mudar a História. Enquanto um só ser humano, em qualquer lugar do planeta, não tiver pão, liberdade, amor e paz, declarações como essa serão ilusória homenagem aos bons sentimentos. Mas os homens, se quiserem, podem mudar o mundo.

A ABI, ao homenagear o jornalista Villas-Bôas Corrêa, pelos seus 60 anos de ofício, reconhece a coerência e a hombridade de um dos grandes brasileiros de sua geração. Ele sempre soube defender suas idéias, algumas vezes com indignação e, em outras, com a força da ironia, mas sempre no respeito aos princípios éticos de sua formação familiar e profissional. Seu texto, personalíssimo, serve de inspiração às gerações mais jovens, que nele têm o exemplo do profissional independente.

A coluna participa das justas homenagens a Villas-Bôas Corrêa, que escolheu o jornalismo para o exercício de reconhecido talento e obstinada cidadania.

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/clipatexto.asp?pg=jornaldobrasil_117610/100997 08/12/2008

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