segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Eles não amam a vida


Leonardo Boff*

A busca de uma saída para a crise econômico-financeira mundial está cercada de riscos. O primeiro é que os países ricos busquem soluções que resolvam seus problemas, esquecendo do caráter interdependente de todas as economias. A inclusão dos países emergentes pouco significou, pois suas propostas mal foram consideradas. Prevaleceu ainda a lógica neoliberal, que garante a parte leonina aos ricos. O segundo é perder de vista as demais crises, a ecológica, a climática, a energética e a alimentar. Concentrar-se apenas na questão econômica, sem considerar as outras, é jogar com a insustentabilidade a médio prazo. Cabe recordar o que diz a Carta da Terra: "Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos forjar soluções includentes" (Preâmbulo). O terceiro risco, mais grave, consiste em apenas melhorar as regulações existentes em vez de buscar alternativas, com a ilusão de que o velho paradigma neoliberal teria ainda a capacidade de tornar criativo o caos atual.

O problema não é a Terra. Ela pode continuar sem nós e continuará. A magna quaestio, a questão maior, é o ser humano voraz e irresponsável que ama mais a morte que a vida, mais o lucro que a cooperação, mais seu bem-estar individual que o bem geral de toda a comunidade de vida. Se os responsáveis pelas decisões globais não considerarem a inter-retro-dependência de todas estas questões e não forjarem uma coalizão de forças capaz de equacioná-las, aí, sim, estaremos literalmente perdidos.

Na verdade, se houvesse um mínimo de bom senso, a solução do cataclismo econômico e dos principais problemas infra-estruturais da humanidade seria encontrada. Basta proceder a um amplo e geral desarmamento, já que não há confrontos entre potências militares. A construção de armas, propiciada pelo complexo industrial-militar, é a segunda maior fonte de lucro do capital. O orçamento militar mundial é da ordem de 1,100 trilhão de dólares/ano. Já se gastaram só no Iraque 2 trilhões de dólares. Para este ano, o governo norte-americano encomendou armas no valor de 1 trilhão e meio de dólares.

Estudos de organismos de paz revelaram que com 24 bilhões de dólares/ano – apenas 2,6% do orçamento militar total – poder-se-ia reduzir pela metade a fome do mundo. Com 12 bilhões – 1,3% do referido orçamento – poder-se-ia garantir a saúde reprodutiva de todas as mulheres da Terra.

Com grande coragem, o atual presidente da Assembléia da ONU, o padre nicaragüense Miguel d’Escoto, denunciava em seu discurso inaugural em meados de outubro: existem aproximadamente 31 mil ogivas nucleares em depósitos, 13 mil distribuídas em vários lugares no mundo e 4.600 em estado de alerta máximo, quer dizer, prontas para serem lançadas em poucos minutos. A força destrutiva destas armas é aproximadamente de 5 mil megatons, força que é 200 mil vezes mais avassaladora que a bomba lançada sobre Hiroshima. Somadas com as armas químicas e biológicas, pode-se destruir por 25 formas diferentes toda a espécie humana. Postular o desarmamento não é ingenuidade, é ser racional e garantir a vida que ama a vida e que foge da morte. Aqui se ama a morte.

Só este fato mostra que a atual humanidade é feita, em grande parte, por gente irracional, violenta, obtusa, inimiga da vida e de si mesma. A natureza da guerra moderna mudou substancialmente. Outrora "morria quem ia para a guerra". Agora não, as principais vítimas são civis. De cada 100 mortos em guerra, sete são soldados, 93 são civis, dos quais 34, crianças. Na guerra do Iraque já morreram 650 mil civis e apenas 3 mil soldados aliados. Hoje assistimos a algo absolutamente inédito e de extrema irracionalidade: a guerra contra a Terra. Sempre se faziam guerras entre exércitos, povos e nações. Agora, todos unidos, fazemos guerra contra Gaia: não deixamos um momento sem agredi-la, explorá-la até entregar todo seu sangue. E ainda invocamos a legitimação divina para o nosso crime, pois cumprimos o mandato: "Multiplicai-vos, enchei e subjugai a Terra" (Gn 1,28).

Se assim é, para onde vamos? Não para o reino da vida.
*Teólogo e escritor.

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/clipatexto.asp?pg=jornaldobrasil_117610/100992 08/12/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário