Gaudêncio Torquato
Sob pesadas nuvens que escondem seus contornos, os horizontes de 2010 costumam ganhar o alcance da vista todas as vezes que os oráculos dos tempos modernos — as pesquisas de opinião pública — levantam os véus do futuro para satisfazer a insaciável sede do ser humano de saber se os deuses deixarão mais aberta ou mais fechada a rota de seu destino.
Para provar que não temos nada a dever aos gregos antigos, o País acaba de ver entronizada sua profetisa, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, elevada ao templo de Oráculo pelo senador José Sarney, que, debaixo do fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras, usa a prerrogativa da liberdade poética para batizá-la como “sacerdotisa do governo”.
Para entender melhor a nova qualificação da ministra, candidata in pectore de Lula à sua sucessão, lembremos que, nos idos da Grécia antiga, a sacerdotisa, mulher de vida irrepreensível, era escolhida para se comunicar com os deuses e trazer respostas aos consulentes sobre seu futuro, o da sua família ou da sua pátria. Sem sabermos por que o senador Sarney preferiu nomear Dilma pitonisa, em vez de guerreira, como Joana d’Arc, ou mulher do Brasil Nação, como é conhecida Anita Garibaldi, importa, agora, analisar as retas e curvas no caminho da ministra. Vale lembrar que a pesquisa Datafolha da semana passada a colocou num espaço de 7% a 12%. Trata-se de uma pontuação até desejável. A tendência recorrente em disputa eleitoral é de crescimento lento e gradual de quem está atrás e declínio de quem está muito na frente, quando a foto flagra pré-candidatos em ocasiões distantes do pleito.
Voltemos à simbologia grega do senador Sarney. A região do templo de Delfos era dominada por uma monstruosa cobra Píton, que impedia alguém de passar. Mas Apolo, desafiando a serpente, derrotou-a em vigoroso combate, depositando seus ossos no solo abaixo do Oráculo. Ora, há uma Píton — que recebeu de Lula o nome de “marolinha” — a impedir que a ministra Dilma chegue ao templo de Delfos, ou melhor, ao Palácio do Planalto, um dos lugares cobiçados pelos também pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves. Digamos que Lula, no papel de Apolo — encenação que toparia fazer com gosto —, domine o bicho, mesmo que este seja tão impetuoso como a “pororoca”. Sob esses louros, a premonição lulista de que fará o sucessor poderá não dar com os burros n’água, como ocorreu com a promessa de eleger Marta Suplicy prefeita de São Paulo.
Há, porém, um cardeal de reza forte que pretende orar no templo do Planalto. José Serra carrega densidade conceitual maior que a da sacerdotisa Dilma, fruto de experiência política e administrativa longa e profícua, e perfil em elevação pelo desempenho à frente do Estado mais poderoso da Federação. É evidente que as ondas (da marolinha ou da pororoca?) puxarão seu corpo para cima ou para baixo das águas eleitorais. Se a crise acarretar estragos, a ponto de mexer com o bolso dos consumidores, o clima de desconforto social deverá ampliar o eco do discurso oposicionista. Quanto menos devastação a crise provocar, Apolo e sua pré-candidata terão melhores condições de ensaiar a ópera da grandeza brasileira, cantando a letra cívica de que não se mexe em time que está ganhando. Serra simbolizaria mudança nas regras do jogo e, com a trombeta do antilulismo/petismo, poderá canalizar energias e mobilizar platéias adormecidas. O desafio que tem é o de segurar o alto índice de 41% que a pesquisa hoje lhe confere.
Aécio Neves e Ciro Gomes são outros nomes aferidos pelo mesmo levantamento. Como bispos da missa presidencial — e não entra aqui juízo de valor, apenas um registro semântico/simbólico em comparação com os outros —, sua participação na cerimônia dependerá do processo de seleção dos candidatos da situação e da oposição. Aécio carrega a leveza da jovialidade, a fala da convergência, administrando com sucesso o segundo maior colégio eleitoral do País. Ciro figura na planilha alternativa de Lula, sendo mais uma interrogação do que afirmação. É, por enquanto, um bispo sem diocese. Quanto a Heloísa Helena, essa, sim, com jeito de Joana d’Arc, o que se pode prever é uma performance confinada aos parcos recursos e ao estreito palco de seu PSOL.
* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político.
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1612154&area=2190&authent=4CEDA2611ABFF2747F9AF3222DCAE6
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