sábado, 20 de dezembro de 2008

Ética é solução para o enlouquecimento do mercado?

Jung Mo Sung *
Adital –
Thomas Friedman, articulista do New York Times, no artigo "A grande explicação desse emaranhado" (publicado pelo O Estado de São Paulo, no dia 19/12/08), diz que a grande crise financeira que explodiu nos Estados Unidos e atingiu a economia de todo o mundo se assemelha muito ao "golpe da pirâmide" aplicado pelo "ex-respeitado" financista Bernard Madoff, que provocou uma perda de cinqüenta bilhões de dólares em todo mundo. Para ele, o golpe de Mardoff "foi apenas ligeiramente mais vergonhoso do que o esquema ‘legal’ que Wall Street conduziu, alimentado pelo crédito barato, parâmetros medíocres e uma enorme ganância".

Após reconhecer que os EUA não aplicou internamente os remédios prescritos para outros países e lamentar a perda do respeito e do prestígio do mercado financeiro norte-americano frente ao mundo, Friedman faz uma afirmação interessante: "Enquanto o capitalismo salvou a China, o fim do comunismo parece ter perturbado os EUA que perdeu os dois maiores concorrentes ideológicos: Pequim e Moscou. Quando o capitalismo americano não precisou mais se preocupar com o comunismo, parece ter enlouquecido".

Não vou discutir aqui a discutível tese de que "o capitalismo salvou a China", mas sim a constatação por parte de um defensor do sistema de mercado livre de que o capitalismo "despreocupado", isto é, sem preocupações que o obrigasse a um certo auto-controle, acabou enlouquecendo. Eu penso que o diagnóstico dele é bastante pertinente, pois uma das causas ou sintomas de loucura é exatamente a perda da diferença entre a realidade e a fantasia, a perda da noção consciente do limite que separa o mundo real e do mundo do desejável ou da fantasia. Noção essa que está na base do auto-controle ou auto-disciplina.

O que nos mantém salvos da loucura é o reconhecimento de que a resistência que o mundo objetivo - o mundo que existe para além da minha imaginação - coloca aos nossos desejos, ambições, ganâncias ou fantasias é, em parte, saudável. Não querer aceitar o princípio da realidade e "tocar os negócios" ou fazer política buscando somente realizar a ganância ilimitada ou poder sem limite é o primeiro passo para neurose e outras insanidades. O problema é que nós preferimos viver somente de acordo com os nossos desejos ilimitados.

Esse modo de viver traz consigo a fé ou falsas certezas de que ao final tudo acabará bem. Na base dessas atitudes ou políticas "despreocupadas" com o futuro encontramos os mitos religiosos ou seculares que dão segurança e tranqüilidade sobre o futuro.

Friedman reconhece que a existência dos países socialistas e a disputa ideológica serviram para manter o capitalismo dentro de um grau de sanidade que evitou grandes loucuras financeiras. Porém, ele não tira disso a conclusão de que a economia global dirigida por uma única lógica econômica, a capitalista, sempre estará em risco destas loucuras. Porque no fundo, ele não pode ou não quer aceitar que este problema de "enlouquecimento" é estrutural ao sistema capitalista de mercado livre; pois, a "missão" de todo empresário é conseguir o máximo de lucro para a sua empresa e os seus acionistas, e a dos executivos é maximizar os seus salários e bônus através da maximização imediata dos lucros.

Como não pode reconhecer o problema estrutural do capitalismo sem concorrentes político e ideológico, ele diz que "não precisamos de um pacote de ajuda financeira; precisamos de uma ajuda ética, restabelecer o equilíbrio básico entre nossos mercados". Parece que está na moda pedir ajuda à ética ou propor ética como caminho de soluções para crises econômicas e ambientais.

Apelar para ajuda ética não soluciona problemas estruturais, mas serve para maquiar algumas reformas e manter o sistema estruturalmente intacto. Isto é, apelando para ética, ele desvia atenção das reformas estruturais necessárias para a sustentabilidade social e ecológica da economia mundial. Além disso, este tipo de discurso consegue atrair a simpatia dos setores da sociedade e das igrejas que reduzem tudo a uma vontade ou reforma ética; sem perceber que problemas estruturais não são solucionados somente com bons desejos ou boas intenções éticas.

* Professor de pós-grad. em Ciências
(Autor, entre outros, de "Se Deus existe, por que há pobreza?", Ed. Reflexão).
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=36609 - 19/12/2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário