Ecologia da natureza, mas principalmente do homem, laicidade positiva, liberdade religiosa: esses são os pontos salientes do discurso anual do Papa aos representantes dos Estados.
A análise é de Sandro Magister, publicada em seu sítio Chiesa, 11-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como em todo o começo de ano, o Papa Bento XVI dirigiu na manhã desta segunda-feira o seu discurso sobre o estado do mundo ao corpo diplomático credenciado junto à Santa Sé.
O discurso tem o seu estilo e as prudências da diplomacia vaticana. Nele, não se usam palavras, por exemplo, nem sobre a China, nem sobre a Índia, as duas superpotências emergentes, onde a Igreja Católica é, por motivos diversos, esmagada e agredida.
Isso não exclui, porém, que o discurso transmita mensagens voluntariamente alternativas às correntes. Particularmente três.
1. Ecologia da natureza, mas principalmente do homem
A primeira mensagem coincide com a já lançada por Bento XVI para o Dia Mundial da Paz, celebrada em Capodanno: "Se queres cultivar a paz, preserva a criação". Com um destaque decisivo e contracorrente: o primado dado à proteção integral do homem.
Eis três passagens do discurso que desenvolvem esse tema:
"Há vinte anos, quando caiu o Muro de Berlim e quando desabaram os regimes materialistas e ateus que dominaram durante várias décadas uma parte deste continente, pôde-se ter a medida das profundas feridas que um sistema econômico sem referências fundadas na verdade do homem infligira não só à dignidade e à liberdade das pessoas e dos povos, mas também à natureza, com a poluição do solo, das águas e do ar. A negação de Deus desfigura a liberdade da pessoa humana, mas devasta também a criação! Resulta disso que a proteção da criação não responde em primeiro lugar a uma exigência estética, como sobretudo a uma exigência moral, porque a natureza expressa um desígnio de amor e de verdade que nos precede e que vem de Deus" […].
"Se se quer edificar uma paz verdadeira, como seria possível separar ou até mesmo contrapor a proteção do ambiente e a da vida humana, incluindo a vida antes do nascimento? É no respeito que a pessoa humana nutre por si mesma que se manifesta o seu sentido de responsabilidade pela criação" […].
"As criaturas são diferentes umas das outras e podem ser protegidas ou, pelo contrário, colocadas em perigo de diversas maneiras, como nos montra a experiência cotidiana. Um ataque desses provém de leis ou projetos que, em nome da luta contra a discriminação, atentam contra o fundamento biológico da diferença entre os sexos. Refiro-me, por exemplo, a alguns países europeus ou do continente americano. 'Se tiras a liberdade, tiras a dignidade', como disse São Columbano. Porém, a liberdade não pode ser absoluta, porque o homem não é Deus, mas sim imagem de Deus, sua criatura. Para o homem, o caminho a seguir não pode por isso ser o arbítrio ou o desejo, mas deve consistir, pelo contrário, na correspondência à estrutura querida pelo Criador".
2. Laicidade positiva
Uma segunda mensagem contracorrente foi dirigida principalmente à Europa e ao Ocidente. Reivindica o papel público da Igreja. Eis em que sentido:
"As raízes da situação que está sob os olhos de todos são de ordem moral, e a questão deve ser enfrentada no quadro de um grande esforço educativo, para promover uma mudança efetiva das mentalidades e instaurar novos estilos de vida. A comunidade dos crentes pode e quer ser partícipe disso, mas, para que isso seja possível, é preciso que se reconheça o seu papel público. Infelizmente, em alguns países, sobretudo ocidentais, difundem-se nos ambientes políticos e culturais, como também nos meios de comunicação, um sentimento de pouca consideração e às vezes de hostilidade, para não dizer de desprezo, para com a religião, particularmente a religião cristã. É claro que, se o relativismo é concebido como um elemento constitutivo essencial da democracia, corre-se o risco de conceber a laicidade unicamente em termos de exclusão ou, melhor, de recusa da importância social do fato religioso. Uma atitude dessas, porém, cria confronto e divisão, fere a paz, polui a 'ecologia humana' e, rejeitando por princípio as atitudes diferentes da sua, transforma-se em uma rua sem saída.
"Urge, por isso, definir uma laicidade positiva, aberta, que, fundada sobre uma justa autonomia da ordem temporal e da espiritual, favoreça uma cooperação sadia e um senso de responsabilidade compartilhada. Nessa perspectiva, eu penso na Europa, que, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, iniciou uma nova fase do seu processo de integração, que a Santa Sé continuará a seguir com respeito e com benévola atenção. Notando com satisfação que o Tratado prevê que a União Europeia mantenha com as Igrejas um diálogo 'aberto, transparente e regular' (art. 17), faço votos de que a Europa, na construção do seu próprio futuro, saiba sempre beber nas fontes da sua própria identidade cristã."
3. Liberdade religiosa
Por fim, uma terceira mensagem é de reivindicação da liberdade religiosa e de denúncia das situações nas quais essa liberdade é violada.
Bento XVI cita alguns casos em que os cristãos são vítimas: Iraque, Paquistão, Egito, Oriente Médio. Não fala nada sobre o islã, mas em todos os casos citados, os agressores são muçulmanos:
"Por amor do diálogo e da paz, que protegem a criação, exorto os governantes e os cidadãos do Iraque a superarem as divisões, a tentação da violência e a intolerância, para construírem juntos o futuro do seu país. Também as comunidades cristãs querem dar a sua contribuição, mas para que isso seja possível é preciso que lhes seja assegurado respeito, segurança e liberdade. O Paquistão também foi duramente atingido pela violência nestes últimos meses, e alguns episódios visaram diretamente a minoria cristã. Peço que se faça todo o esforço para que tais agressões não se repitam mais e que os cristãos possam se sentir plenamente integrados na vida do seu país. Falando das violências contra os cristãos, não posso, por outro lado, deixar de mencionar os deploráveis atentados de que acabam de ser vítimas as Comunidades coptas egípcias nestes últimos dias, justamente quando estavam celebrando o Natal. […]
"As graves violências que recém evoquei, unidas aos flagelos da pobreza e da fome, assim como às catástrofes naturais e à degradação ambiental, contribuem para engrossar as fileiras daqueles que abandonam sua própria terra. Diante desse êxodo, convido as autoridades civis, que estão envolvidas nele sob diversos títulos, que ajam com justiça, solidariedade e clarividência. Particularmente, queria mencionar os cristãos do Oriente Médio: atingidos de várias maneiras, até no exercício da sua liberdade religiosa, eles deixam a terra de seus pais, onde se desenvolveu a Igreja dos primeiros séculos. É para lhes oferecer sustento e para fazer com que sintam a proximidade dos irmãos na fé que convoquei, para o próximo outono [europeu], a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio."
FONTE: IHU online, 12/01/2010
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