segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Jovens ignoram tendências do mercado


Vestibular:
Profissões do futuro perdem para as mais tradicionais
na preferência dos estudantes



Na hora de escolher a carreira, os estudantes brasileiros ainda ignoram as tendências e as futuras demandas do mercado de trabalho. Ainda que o leque de opções aumente a cada ano, a lista dos cursos mais concorridos nas grandes universidades costuma se repetir sistematicamente. Profissões consideradas tradicionais como medicina, direito, administração e arquitetura continuam em alta e dividem espaço com graduações midiáticas que vão desde jornalismo e publicidade até artes cênicas e audiovisual.

"De maneira geral, o primeiro grupo geralmente satisfaz uma vontade dos pais enquanto o segundo é seduzido por uma falsa sensação de 'glamour' da profissão", afirma Maira Habimorad, sócia-diretora da Cia. de Talentos, consultoria especializada em seleção e desenvolvimento de jovens. Para ela, os estudantes brasileiros não são preparados para tomar uma decisão dessa importância e fazem suas escolhas de forma imatura e subjetiva. "Mesmo quem diz ter certeza de que quer ser médico ou publicitário, por exemplo, dificilmente sabe como são esses cursos e o dia a dia da profissão". Na Fuvest 2010, esses foram os dois cursos mais concorridos com 41,78 e 39,82 candidatos por vaga, respectivamente. Completando o pódio, relações internacionais com 37,5.

Gilson Schwartz, economista, sociólogo e professor da USP, afirma que a falta de informação dos estudantes explica o baixo interesse por carreiras que, embora sejam novas, têm um futuro promissor. Para ele, não se trata apenas de áreas como tecnologia, petróleo e meio ambiente, mas de graduações como gerontologia, voltada para todos os assuntos ligados à terceira idade, e gestão de políticas públicas. "Na unidade da USP da zona Leste já existe essa oferta. São profissões criadas para atender uma perspectiva real de mercado e serão de extrema importância na sociedade", ressalta. "Mas não atraem os adolescentes, que normalmente tem uma visão estereotipada até dos cursos mais clássicos."

A procura por cursos de engenharia tem acompanhado mais as demandas do mercado. Após apresentarem forte queda nos anos 1990, voltaram a despertar o interesse dos vestibulandos, especialmente de 2005 em diante, respondendo a carência de mão de obra especializada e a expansão do setor. Além disso, o foco mudou. "Há 10 anos, a procura se concentrava em computação, automação e mecatrônica. Agora, a líder é a engenharia química, que abrange petroquímica, fertilizantes, agricultura e extração mineral", explica Renato Pedrosa, coordenador executivo do vestibular e da Unicamp. O curso foi o quinto mais concorrido da universidade este ano com mais de 30 candidatos por vaga.

O que chamou a atenção de Pedrosa, no entanto, foi o crescimento recente dessa mesma relação na engenharia civil: um salto de pouco menos de 10 candidatos por vaga em 2004 para quase 28 agora, colocando o curso na oitava posição entre os mais disputados da Unicamp. "O aquecimento da economia e os grandes projetos em que o país está envolvido certamente contribuíram para esse crescimento", diz. Na Fuvest, a procura pela graduação subiu de 20,18 candidatos por vaga em 2009 para 26,37 esse ano, classificando-o na oitava posição.

Segundo Karin Parodi, sócia-diretora da Career Center, o autoconhecimento e a reflexão são importantes para se chegar a uma decisão acertada na escolha da carreira, mas olhar o mercado de forma atenta é imprescindível. "Além de descobrir seus gostos, seus interesses e suas habilidades, o jovem precisa saber também como é que poderá aplicar tudo isso no mundo real". A consultora acredita que os jovens precisam se informar como a carreira está hoje, qual a perspectiva e o retorno financeiro estimado.

Todo esse cuidado, segundo os especialistas, é essencial quando se leva em conta o engessado modelo educacional brasileiro. "Mudar de ideia no meio do caminho é possível, mas dá muito mais trabalho, além de exigir um grande investimento de tempo e de dinheiro", afirma Karin.

Natalia Menezes, de 25 anos, é um bom exemplo disso. Empolgada com o bom momento que o curso de turismo viveu no início dos anos 2000 e com a ideia de continuar estudando ao lado das amigas, ela foi aprovada na graduação no vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora. Logo descobriu que não era nada do que esperava, mas não teve coragem de jogar tudo para o alto. "Foi muito difícil entrar e, além disso, era uma universidade federal e gratuita. Resolvi ir até o fim", conta. Hoje ela reconhece que sua trajetória teria sido mais fácil se tivesse desistido e cursado publicidade, uma paixão que descobriu posteriormente. "Para me adequar ao mercado tive de fazer uma especialização em administração e outra em publicidade", afirma Natalia, responsável pelo departamento de marketing da francesa Arval no Brasil, especializada em gestão de frotas empresariais.

Maira, da Cia. de Talentos, afirma que os jovens nunca tiveram tanta oportunidade de se inteirar sobre os cursos e as carreiras como atualmente, mas mesmo assim são poucos os que fazem uma investigação mais aprofundada. "Com a internet e a proliferação das redes sociais, é fácil entrar em contato e conversar com pessoas mais experientes na área de interesse do jovem", diz.

Aos 17 anos e recém-formada no ensino médio, Soraya Del Carlo Santos também sucumbiu aos encantos do curso de publicidade e propaganda. Ao contrário de milhares de estudantes, porém, ela garante que sua decisão foi muito bem estruturada. Afinal, ela procurou um programa de orientação profissional, conheceu gente da área e visitou agências.

Soraya deixou para trás quatro alternativas que também cogitava- relações internacionais ficou em segundo lugar- e começa no mês que vem sua graduação pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "Tenho uma boa noção do que me aguarda e acredito que não vou me decepcionar. Sei que a profissão vai muito além da criação de campanhas e já estou analisando as opções de especialização. Afinal, a concorrência é grande", afirma.

Independentemente do curso escolhido, o professor Gilson Schwartz concorda que continuar os estudos após o curso universitário é fundamental para o desenvolvimento da carreira. "Não existe mais aquela história de 'se formou, resolveu'. É preciso se atualizar e evoluir constantemente. O ritmo de inovação é acelerado e nosso aprendizado deve se estender por toda a vida", afirma.
Reportagem de Rafael Sigollo, de São Paulo

Fonte: Valor Econômico online, 11/01/2010

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