sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Nossa Senhora, minha madrinha

Adionel Carlos da Cunha *


Novo ano. E hoje, um dia dedicado à Confraternização Universal, também à solenidade de Maria, Mãe de Deus. A vida do homem é um eterno construir: construímos nossa personalidade, nossa felicidade, nosso presente, nosso futuro. A esperança, que no fundo é mais uma atitude mental do que qualquer outra coisa, exige um longo trabalho construtivo. Certo também que ninguém constrói tudo sozinho. Dependemos uns dos outros. Precisamos uns dos outros, desde a mais tenra idade. Foi profundamente lúcido quem afirmou: “Todas as coisas para serem boas devem completar-se”. Somos dependentes, em nossa fragilidade. Somos fracos e inseguros, quando queremos andar por conta própria. Terminamos no triste país da solidão, quando não aceitamos companheiros e tripulantes, no barco de nossa existência, mar afora. Todas as coisas para serem boas devem completar-se... Olhar para outro, ir só ao encontro do outro, buscar nossa complementação nos outros, é um longo caminho. Se o outro é simpático, se o outro me aprecia e me quer bem, a complementação é fácil, o diálogo é sem distinção de pessoas. Servir, aceitar, perdoar, compreender é que é tarefa árdua. Há braços estendidos em nossa direção. Lábios sedentos e corações famintos que precisam de nós.

Aí está o novo ano, com muita alegria, mas em quantas partes do mundo, em quantas pessoas da nossa cidade, essa alegria não existe? Guerra, fome, ódio, assaltos, trocas de tiros... ainda existem. Você já pensou sobre isso antes da queima de fogos na chegada do novo ano? Aproveite para pensar. Pare um pouco. Esqueça por um momento o encantamento do primeiro dia do ano. Pare e escute o silêncio dentro de você. Pare e fique de escuta. É no silêncio que recebemos as melhores visitas. Só no silêncio as vozes ecoam, os brandos passos se ouvem e os fundos apelos ressoam. Pare e escute. O silêncio é encontro. Deixe que o coração se aposse de seu ser. E você sentirá, de repente, que tem um sentido, que seus passos trazem rumo, que suas mãos também foram feitas para apertar outras mãos, no ritual da amizade, na sinfonia do amor, no gesto da oração.

Pare e escute. E você sentirá que seus lábios podem sorrir, transbordando ternura, graça, felicidade. Você sentirá que seu rosto não é mera máscara, afivelada sobre um combinado orgânico de sucos, humores e células nervosas. Você sentirá que seus pulmões suspiram pelas alturas oxigenadas, porque as planícies e os abismos não satisfazem. Pare e escute. Você sentirá que tudo o impele dar. Suas palavras. Seus gestos. Seus anseios. Suas esperanças. Seus sonhos e realizações.

Faça de você mesmo a messe fecunda, que geram sem exigir, que alimenta sem esgotar, que floresce numa doação sempre renovada. E você verá que não é preciso ter medo; que as frustrações se apagam, que a ansiedade agoniza, que o tédio e a solidão ficam sobrando. E você verá que seus frutos nascerão de sua fertilidade interior com que o Pai do Céu proviu e ornou você, certamente com o amor de Maria. Com o poeta Jorge de Lima, deveríamos rezar então: “Nossa Senhora, minha madrinha, Tu vês as coisas tão verdes, não é? Meus olhos pretos, coitados deles! Teus olhos verdes, felizes deles, Minha madrinha, Nossa Senhora da Conceição! Nossa Senhora, dá-me teus olhos para eu ver com eles meus pobres olhos. Coitados deles, minha madrinha, só veem as coisas como elas são. Nossa Senhora, minha madrinha. Pinta meus olhos que quero ver verdes os dias que ainda virão”.

Feliz ano novo!

* Assessor de Imprensa da Arquidiocese do Rio de Janeiro
FONTE: Jornal do Brasil online - 31/12/2009

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