segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Uma época de dificuldade

Tony Blair*


Existem pressões imediatas para aumentar o papel do governo na economia

Uma parte do mercado falhou, mas os governos e as agências regulamentadoras fizeram parte desse desastre


Este é um momento difícil para ser um tomador de decisões. Vivemos em uma época de baixa previsibilidade; o mundo parece em constante mutação. Os desafios são imensos. E, acima de tudo, há em muitos casos um choque entre a política correta de curto prazo e a política correta para o longo prazo.

Na economia, no debate sobre clima e segurança, as pressões imediatas têm um rumo praticamente definido: aumentar o papel do governo na economia; adiar um acordo sobre o clima para um momento financeiro mais conveniente e abandonar grandes engajamentos militares de luta contra o terrorismo mundial. No entanto, em cada caso, a política para o longo prazo quase certamente aponta para o caminho oposto.

Qual é a forma de transpor esse fosso entre o curto e longo prazos? Decidir como fazer isso é fundamental para decidir essencialmente no que acreditamos e no que queremos de nosso futuro. Ao decidir isso, apenas a mente pode nos guiar em como fazê-lo, mas o coração precisa nos dizer em que realmente acreditamos fazer.

Na economia, o consenso quase universal, após o colapso do sistema bancário, era de que o mercado tinha falhado e o Estado teve que entrar em cena. Velhas cópias de "The Great Crash of 1929" (O grande colapso de 1929), de John Kenneth Galbraith, e outras obras keynesianas foram desempoeiradas e avidamente relidas. E é verdade: o mercado realmente sofreu um colapso e o Estado teve que entrar em cena. Os estímulos fiscais e monetários foram importantes em si mesmos, porém ainda mais porque sinalizaram que a força de governos iria ser utilizada para evitar contágio e colapso ainda maior.

Mas, se passarmos a uma análise sobre que tipo de recuperação podemos esperar e sobre que tipo de economia futura estamos tentando moldar, não está absolutamente claro que precisamos de um Estado com um papel permanentemente intervencionista. Ao contrário, precisamos que o setor privado recupere seu sentido empreendedor, inovador e vigoroso; precisamos ser cuidadosos em regulamentação de modo a apertar a disponibilidade de crédito, e precisamos, certamente, evitar protecionismo.

É verdade que o setor privado terá de passar por mais reestruturação e os grandes déficits acumulados com a crise precisam ser revertidos. Isso significará uma reestruturação radical do Estado e de seus serviços. Mas, em última instância, serão as empresas, e não governos, que levarão a economia mundial adiante.

Em outras palavras, a afirmação de que "o mercado falhou" é alarmantemente ampla. Na realidade, uma parte do mercado falhou, mas governos e agências regulamentadoras fizeram parte desse desastre. Se acreditamos que isso é verdade, será em última instância a criatividade (em seu melhor sentido) do setor privado que nos levará de volta à prosperidade. Portanto, precisamos tomar decisões, nas próximas semanas e meses, que ajudem o setor privado - e não o prejudique.

Da mesma forma, em relação ao ambiente e energia - independentemente das pressões financeiras -, se considerarmos que o clima da Terra está mudando provavelmente como resultado da atividade humana, será preciso colocar a economia mundial num rumo futuro de baixo carbono. Isso não significa que podemos defender propostas irrealistas ao nos empenharmos por um novo tratado mundial para suceder o Protocolo de Kyoto. Não devemos tornar o ótimo inimigo do bom.

Há coisas importantes que podemos fazer com base no conhecimento existente - em questões como desmatamento, eficiência energética e energias renováveis - para fazer uma grande diferença no curso da próxima década. Necessitaremos, portanto, um referencial de longo prazo de incentivos para desenvolver as tecnologias do futuro. Mas o ponto crucial é: não é este o momento de adiar as ações.

A seriedade da China - e agora da Índia -, nessa questão, o entusiasmo do Brasil e de outros países nos mercados emergentes em participar no combate às alterações climáticas, tudo isso oferece uma enorme oportunidade que deve ser agarrada. E quanto ao Ocidente, todos devemos nos lembrar do barril de petróleo em torno de US$ 100. Existem outras razões exemplares de segurança energética pelas quais precisamos mudar a natureza das nossas economias para diminuir a dependência em relação ao carbono.

Em questões de segurança, as opções aqui são, talvez, as mais difíceis de todas. Uma opinião pública compreensivelmente frustrada diante da duração das atuais campanhas militares e das perdas de vidas no Afeganistão e no Iraque é simpática à idéia de desengajamento. Mas esse é também um terreno onde, acima de tudo, precisamos decidir em que realmente acreditamos.

A razão pela qual há, atualmente, dificuldades no Afeganistão, está no fato de que as forças que estamos enfrentando as estão criando. Essas forças estão fazendo isso valendo-se de terrorismo e brutal intimidação da população civil, e ao arrepio da expressa e clara vontade da comunidade internacional.

Repetidas vezes, fica claro que as pessoas, sendo-lhes dada a oportunidade, desejam que os governos prestem contas de suas ações, querem o Estado de direito e a possibilidade de escolher seu próprio destino. Quem usa o terror, seja no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Somália, Iêmen - e a lista poderia continuar e continuar-, o faz para desestabilizar as nações e frustrar a vontade do povo de viver em paz.

Um desengajamento agora não deixará as pessoas livres de nossa interferência, apenas as colocará à mercê de grupos cujo extremismo ameaça o próprio modo de vida que defendemos e que aspiram. Portanto, não importa quão difícil seja, devemos lembrar no que acreditamos e porquê.

Portanto, agora é um momento, mesmo em meio a toda a incerteza, em que necessitamos de alguma clareza, e a melhor maneira de termos clareza vem de uma estratégia elaborada com base num conjunto de convicções vigorosas.

*Tony Blair foi primeiro-ministro do Reino Unido de 1997 a 2007. Copyright: Project Syndicate, 2009. www.project-syndicate.org
FONTE:  Valor Econômico online,11/01/2010

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