Luis Fernando Veríssimo*
Nem a bola, nem o frio, nem as vuvuzelas incomodaram a seleção brasileira
Jean-Paul Sartre disse que o inferno são os outros. Adendo: o inferno são os outros soprando vuvuzelas. Havia certa esperança de que o frio dificultasse a embocadura e silenciasse os corneteiros. Nada aconteceu. Fazia um frio de tontear pinguim, mas as vuvuzelas pareciam ter aumentado de volume, ontem, no Ellis Park. As vuvuzelas atrapalham o jogo? A bola diferente tem atrapalhado, é o que dizem os jogadores. O Green não acusou a bola de tê-lo traído no frango mais evidente da Copa até agora, talvez por cavalheirismo, mas ninguém está acertando chute a gol de bola parada. A bola não desce, a bola só sobe.
Nem a bola, nem o frio, nem as vuvuzelas incomodaram a seleção brasileira, que enfrentou o enigma proposto pelo adversário - como encontrar um caminho para o gol por entre dez coreanos que pareciam vinte - acima de tudo com paciência. E no segundo tempo a seleção perdeu a paciência no bom sentido. Se no primeiro tinha jogado com ponderação, no segundo jogou com pressa. Se no primeiro o Maicon não fez sua jogada de mais sucesso na Inter, aquela entrada pelo lado da área, no segundo tempo fez a jogada que resultou no gol do alívio. No fim, as melhores coisas do dia foram o Robinho e seu passe para o gol do Elano e a seriedade e o empenho da defesa mesmo quando o jogo parecia tranquilamente decidido. E cresce a suspeita de que o sonho secreto do Lúcio, que ontem se mandou para a frente mais do que costuma fazer, é ser o goleador da Copa. A seleção ganhou a sobremesa antes de jantar a Coreia. O empate dos portugueses com a Costa do Marfim foi doce, foi um pastel de nata. Saímos na frente. O problema é que, se antes nos preocupávamos com Portugal, agora temos de nos preocupar com a Costa do Marfim.
Feriadão. Hoje é feriado aqui. A decisão do governo de tornar compulsório o ensino de metade do currículo escolar em africâner e a outra metade em inglês a crianças negras que até certa idade estudavam na sua língua tribal provocou série de protestos que culminaram com a polícia disparando contra manifestantes em Soweto, matando um líder estudantil e um garoto chamado Hector Peterson. Fotos dos mortos correram o mundo e a revolta internacional foi despertada, além do aumento das manifestações entre os negros, marcaram o começo do fim do apartheid. Hector Peterson e o líder estudantil foram assassinados em 16 de junho de 1976. Uma vuvuzelada em honra deles se justifica.
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*Escritor. Cronista.
Fonte: Estadão online, 16/06/2010
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