quinta-feira, 3 de maio de 2012

Hora de repensar a guerra contra as drogas

Mark A.R. Kleiman, Jonathan P. Caulkins e Angela Hawken*

"Para qualquer problema complexo", escreveu H.L. Mencken, "sempre há uma resposta clara, simples e errada".
Isso é especialmente verdade a respeito do abuso e dependência de drogas. De fato, o problema é tão complexo que gerou não apenas uma, mas duas soluções claras, simples e erradas: a "guerra contra as drogas" (proibição, mais repressão maciça e indiferenciada) e as propostas de legalização generalizada das drogas.
Felizmente, essas duas más ideias não são nossas únicas opções. Poderíamos, em vez disso, aproveitar novas abordagens já comprovadas que podem nos dar mais segurança, e ao mesmo tempo reduzir o número de pessoas atrás das grades por delitos relativos a drogas.
A atual política contra as drogas faz muito mais mal do que precisaria fazer, e muito menos bem do que poderia fazer, em grande parte porque ignora alguns fatos básicos. Tratar todos os "usuários de drogas" como um único grupo contradiz a chamada Lei de Pareto: normalmente, em qualquer atividade 20% dos participantes constituem 80% da ação.
A maioria dos usuários de drogas que causam dependência não é dependente; mas alguns consomem grandes quantidades, e são estes que formam a maior parte do tráfico e do faturamento, e a maior parte da violência relacionada com drogas e outros danos colaterais para a sociedade. Mas se forem submetidos a uma pressão adequada, até os usuários mais pesados podem parar e, de fato, param de usar drogas.
A frustração com a situação atual da política antidrogas - o horrendo nível de violência gerado pelo tráfico no México e na América Central, e os custos fiscais, pessoais e sociais de encarcerar meio milhão de traficantes de drogas nos Estados Unidos - motivaram as propostas de alguma forma de legalização. No mês passado, na Cúpula das Américas, em Cartagena, o presidente Barack Obama ouviu um sermão de seus colegas latino-americanos sobre a necessidade de mudar a política antidrogas dos EUA.
O atrativo da legalização é bem claro. De um só golpe, ela acabaria com a maioria dos problemas do mercado negro, ao privar os bandidos armados da sua vantagem competitiva. Mas para essa medida funcionar, teria que incluir não só a posse de drogas mas também sua produção - e não apenas de maconha, mas de substâncias que são realmente muito perigosas: cocaína, crack, heroína e metanfetamina.
Legalizar a posse e a produção eliminaria muitos problemas relativos ao tráfico, mas decerto agravaria o problema do abuso de drogas. Poderíamos abolir o mercado ilícito de cocaína, tal como já se aboliu o mercado ilícito de álcool; mas será que alguém considera que a atual política para o álcool é bem-sucedida? Nos EUA, o álcool mata mais pessoas do que todas as drogas ilícitas combinadas (85.000 mortes contra 17.000 em 2000, segundo um estudo do "Journal of the American Medical Association"). O álcool também tem muito mais usuários viciados.
Qualquer forma de disponibilidade legal que pudesse realmente substituir o mercado ilícito de cocaína, heroína e metanfetamina tornaria essas drogas muito mais baratas e mais disponíveis. Se essas drogas "pesadas" fossem vendidas mais ou menos nas mesmas condições do álcool, há todas as razões para crer que a livre iniciativa iria realizar a sua mágica, ampliando a base de clientes e, especificamente, o número de consumidores problemáticos, resultando em resultados negativos semelhantes aos do álcool em termos de doenças, acidentes e crimes.
Por sorte, há coisas que já sabemos como fazer que funcionam comprovadamente melhor. Tais medidas práticas não conseguiriam abolir o abuso de drogas nem os mercados ilícitos, mas poderiam diminuir esses problemas para um nível mais administrável.
Comecemos pelo maior problema: o álcool. Uma análise feita por Philip Cook, da Universidade Duke, sugere que triplicar o imposto nacional sobre o álcool - de cerca de US$ 0,10 para cerca de US$ 0,30 por bebida - evitaria pelo menos 1.000 homicídios e 2.000 mortes em acidentes de veículos por ano. E tudo isso sem enriquecer nenhum criminoso, colocar ninguém atrás das grades nem mandar a polícia arrombar a porta de ninguém.
Aumentar o imposto sobre o álcool exerceria um grande efeito sobre os adolescentes e os que bebem muito; mas muitos usuários problemáticos teriam dinheiro para continuar bebendo. Alguns deles gostam de beber e dirigir, ou de beber e agredir outras pessoas. Dizer a eles que não se comportem mal não adianta muito, pois a pessoa bêbada se torna menos sensível à ameaça de sanções penais. Assim, precisamos encontrar maneiras de evitar a bebida nesse grupo, relativamente pequeno, das pessoas que se comportam muito mal quando bebem.
Larry Long, juiz de uma corte distrital do Estado de Dakota do Sul, criou uma abordagem promissora, chamada Sobriedade 24/7. Iniciada em 2005, ela exige que as pessoas que cometem crimes relacionados com o álcool - de início, apenas os reincidentes por dirigir embriagados, mas agora outros infratores também - compareçam duas vezes por dia, todos os dias, para um teste de bafômetro, como condição para ficar fora da cadeia. Se a pessoa não aparece, ou se o teste mostra que andou bebendo, vai direto para a cadeia por um dia.
Mais de 99% das vezes eles comparecem sóbrios, tal como lhes foi instruído. Podem receber tratamento para o alcoolismo, ou não, é opção de cada um; só não têm a opção de continuar bebendo. Segundo o gabinete do procurador-geral, cerca de 20.000 cidadãos de Dakota do Sul já participaram do Sobriedade 24/7 (um número grande para um Estado com apenas 825.000 habitantes), e o programa reduziu muito o número de reincidentes que dirigem embriagados.
Ao distinguir nitidamente entre as pessoas que usam mal o álcool e a população geral de usuários não problemáticos, o Sobriedade 24/7 vai além da simples dicotomia entre proibir uma droga por completo, ou legalizá-la em quantidades ilimitadas para todos os adultos.
Um meio alternativo para o mesmo fim exigiria que qualquer um que compre uma bebida mostre um documento de identidade. Um Estado poderia então fazer com que alguém que já foi condenado por dirigir embriagado ou cometer violência quando embriagado se torne inelegível para comprar uma bebida, bastando apenas marcar sua carteira de motorista. É uma intrusão mínima na liberdade das pessoas condenadas por crimes e também na privacidade das que atualmente não têm de mostrar documento para comprar bebidas - algo geralmente exigido para menores de idade nos EUA.
O mesmo princípio de negar drogas para usuários problemáticos poderia funcionar para as drogas atualmente proibidas. As leis já tornam ilegal a posse ou uso de cocaína, heroína e metanfetamina, mas o risco de prisão é pequeno demais para servir de freio. No entanto, uma vez que alguém foi condenado por um crime, as regras mudam. Abstinência pode ser uma exigência para a liberação da prisão preventiva ou para a liberdade vigiada ou condicional, e pode ser verificada com testes químicos.
Os testes para drogas já são generalizados para a liberdade vigiada e condicional, mas esses sistemas não têm nenhuma penalidade rápida e moderada que possa ser aplicada quando se detecta o uso de drogas.
Steven Alm, juiz da circunscrição em Honolulu, já demonstrou que as sanções rápidas e certeiras fazem toda a diferença. Em um teste cuidadosamente estudado, com duração de um ano, envolvendo centenas de pessoas em liberdade condicional e vigiada, o programa chamado Hope ("Esperança", em inglês) reduziu o uso de drogas em mais de 80% e os dias de encarceramento em mais de 50%, segundo dados do Instituto Nacional de Justiça. Os infratores logo descobriram que usar drogas já não era algo que podiam fazer sem consequências, e a maioria dos usuários, mesmo os que já usavam drogas há muito tempo, conseguiu parar. O programa os libertou do ciclo de uso de drogas, crime e encarceramento.
Ter que telefonar todos os dias para saber se hoje é seu dia de teste se revelou uma ferramenta poderosa para não se drogar. Como disse um participante do programa a um pesquisador, "Saber que eu tinha que fazer esse telefonema na manhã seguinte já cortava o barato".
Progressos substanciais na supressão do uso de drogas entre ex-presidiários seriam um grande benefício. Isso privaria o mercado de drogas ilícitas dos seus clientes mais valiosos, o que, por sua vez, reduziria a violência nos bairros pobres e tiraria a pressão sobre os países latino-americanos assolados pelo tráfico de drogas.
Desde que a guerra contra as drogas começou a sério nos EUA, há uns 30 anos, a lei constatou que é impossível deter o fluxo de drogas ilegais. Os preços caíram apesar dos bilhões de dólares gastos na captura e prisão de traficantes. Há muito tempo deveríamos ter mudado o foco para a tarefa fundamental de proteger a ordem e a segurança pública.
David Kennedy, da faculdade John Jay College, em Nova York, realizou dois programas pioneiros integrados, visando perseguir as organizações e traficantes mais violentos e acabar com as áreas onde o mercado é mais violento. Seu programa de Intervenção no Mercado de Drogas, aplicado pela primeira vez em 2004 em High Point, Estado de Carolina do Norte, e copiado em muitos lugares, concentra-se em áreas onde as casas de crack e a venda ostensiva de drogas pelas esquinas geram crime e desordem.
O primeiro passo, uma vez que a polícia consegue o apoio da comunidade, é identificar todos os traficantes e abrir processos contra eles. Daí vem a surpresa: em vez de serem presos, os traficantes não violentos são convocados para uma reunião (os poucos violentos vão para a cadeia). Ali lhes apresentam as provas contra eles - talvez um vídeo que os mostra vendendo drogas - e são confrontados por vizinhos, clérigos e parentes irados. Podem então escolher entre parar de traficar e receber ajuda para mudar de vida, ou enfrentar o juiz.
A questão não é eliminar a oferta de drogas, mas forçar a venda de drogas a assumir uma forma menos ostensiva e socialmente prejudicial: vendas em bares, ou entrega em casa, e não pelas esquinas. Os resultados têm sido espetaculares, com mercados tradicionais desaparecendo da noite para o dia.
Em vez de tentar prender indiscriminadamente todos os traficantes, a polícia poderia identificar os mais violentos, adverti-los de que se não pararem imediatamente serão presos, e se concentrar em mandar para a cadeia o maior número possível dos que não pararem as atividades. Isso não diminuiria a oferta de drogas, mas poderia reduzir a violência nas ruas.
Os EUA chegaram a um beco sem saída na tentativa de combater o uso de drogas tratando todos os infratores como criminosos graves. A legalização geral das drogas tem algum encanto superficial - ela se encaixa muito bem em um slogan fácil ou um tweet - mas não resiste a uma análise séria. As verdadeiras aberturas para uma reforma consistem de políticas, e não de slogans.
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* Kleiman é professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia. Caulkins é professor de pesquisa de operações e políticas públicas na Universidade Carnegie Mellon. Hawken é professora de políticas públicas da Universidade Pepperdine. Eles são coautores do livro "Drugs and Drugs Policy: What Everyone Needs to Know", ou "Drogas e Política de Drogas: O Que Todo Mundo Precisa Saber", em tradução livre.
Fonte: Valor Econômico on line, 03/05/2012
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