A obra analisa a nova produção literária de seu país e afirma que o
livro vive uma relação ‘tensa e produtiva’ com os meios digitais
RIO - O livro está mais próximo da reinvenção do que da morte. A
escritora e crítica cultural argentina Beatriz Sarlo, 70 anos, afirma
que a literatura mantém uma relação “tensa e produtiva” com as novas
tecnologias. Diz que, desde a década de 30 do século passado, a
literatura perdeu a centralidade na cultura, porque o campo foi
remodelado, primeiro pelo cinema, em seguida pelos meios audiovisuais e
agora pelas novas tecnologias virtuais.
— Não sou uma pessimista cultural. Estamos na fase inicial de modos literários que têm uma relação dinâmica com as formas textuais e com a multimídia. Muitos escritores já exploram essa direção, ainda que outros prefiram permanecer dentro do campo de tecnologias da escrita da primeira metade do século XX. Ambas as opções são interessantes. Mesmo quem tenha optado por permanecer fora das novas tecnologias vive em um mundo em que essa dinâmica está mudando a estética e a escrita — avalia ela, em entrevista ao GLOBO.
Sarlo acaba de lançar “Ficciones argentinas”, um livro que reúne 33 ensaios sobre a nova produção literária de seu país. Nova, explica ela, refere-se não à idade, mas à fase inicial da carreira literária. Define o livro como uma “viagem exploratória”. “Traz notícias do novo. Não de todo novo, nem poderia afirmar de que do mais importante, mas daquilo que me interessou ou provocou”, explica no prólogo.
A escritora admite que hoje a literatura interessa a poucos. Em seu livro, rejeita apontar para onde vai a literatura (“uma forma quase segura de erro”) e declara que a crítica é uma “avaliação cega do presente”, no que reside seu maior perigo e seu maior atrativo.
— Toda a cultura tem girado em torno do mercado, e a literatura não é necessariamente uma exceção. Sem dúvida, os escritores que me parecem mais interessantes são os que, ainda que conhecendo as leis do mercado, permanecem independentes. Gosto dos escritores que não se afligem pela consagração do mercado — diz.
O título do novo livro de Sarlo remete a um dos mais famosos da literatura argentina, “Ficções”, de Jorge Luis Borges, que reúne contos celebrados como “A biblioteca de Babel”, na qual o universo é equiparado a uma biblioteca inútil.
— Sem dúvida, Borges está inscrito na linha principal da estética e da literatura argentinas. É impossível ignorá-lo, embora muitos jovens escritores não escrevam a partir de Borges — afirma Sarlo.
“Ficciones argentinas”, recém-lançado em espanhol, é um mapa para quem se interessar em buscar o que há de mais relevante em autores que têm de conviver com um passado grandioso, mas, ao mesmo tempo, são desejosos de sua libertação. Em linhas gerais, Sarlo identifica na produção atual argentina a “morte dos heróis” e a “morte dos mistérios”. “Não há mistério que resista à internet”, diz ela. Os personagens são “tipos de última hora”, com as “novidades do último momento”, de um mundo globalizado. “Tudo se escreve com a dupla tranquilidade de Borges haver existido, mas sem que haja mais quaisquer dívidas pendentes”, escreve ela.
Em seu novo livro, Sarlo tenta explicar qual literatura se faz hoje na Argentina, além das sombras dos nomes consagrados mundialmente.
— Não rechaço uma comparação, ainda que me pareça desnecessária, justamente porque a nova literatura argentina, ou pelo menos aquela que me parece mais interessante, está buscando outras direções. Borges e (Julio) Cortázar, por sua vez, são dois escritores muito diferentes, que somente por mecanismos de mercado podem ser comparáveis. Depois de Borges, escreveram Manuel Puig e Juan José Saer, os grandes dos últimos 30 anos na literatura argentina. E, depois, escritores da minha própria geração como (Rodolfo) Fogwill e (César) Aira.
Para a crítica argentina, Borges e Cortázar não são nem sequer comparáveis.
— Como se alguém dissesse que dois escritores, por serem contemporâneos e terem nascido no mesmo país e serem reconhecidos, devem ser pensados como uma espécie de identidade dupla. Por outro lado, não é muito interessante organizar uma literatura em termos de cânones. Um cânon se torna imediatamente anacrônico e interessa mais à História do que à crítica. Este livro, justamente, lê o presente para liberar a literatura da ideia de cânon.
Sarlo relativiza a dificuldade da crítica num mundo em que o digital tornou ler e publicar algo mais acessível, sem que seja mais frequente.
— Não creio que seja nem difícil nem mais fácil o trabalho dos críticos. A crítica, em primeiro lugar, relaciona-se com o presente, ainda que, para ser crítico, seja necessário conhecer o passado e a história literária. Não poderia dizer que faço crítica se não estivesse lendo quem está sendo publicado neste momento. É o perigo e o maior atrativo da crítica.
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Reportagem por Plínio Fraga (Email) Publicado:
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/a-critica-argentina-beatriz-sarlo-lanca-coletanea-de-33-ensaios-7206242#ixzz2HEFRSyjL
— Não sou uma pessimista cultural. Estamos na fase inicial de modos literários que têm uma relação dinâmica com as formas textuais e com a multimídia. Muitos escritores já exploram essa direção, ainda que outros prefiram permanecer dentro do campo de tecnologias da escrita da primeira metade do século XX. Ambas as opções são interessantes. Mesmo quem tenha optado por permanecer fora das novas tecnologias vive em um mundo em que essa dinâmica está mudando a estética e a escrita — avalia ela, em entrevista ao GLOBO.
Sarlo acaba de lançar “Ficciones argentinas”, um livro que reúne 33 ensaios sobre a nova produção literária de seu país. Nova, explica ela, refere-se não à idade, mas à fase inicial da carreira literária. Define o livro como uma “viagem exploratória”. “Traz notícias do novo. Não de todo novo, nem poderia afirmar de que do mais importante, mas daquilo que me interessou ou provocou”, explica no prólogo.
A escritora admite que hoje a literatura interessa a poucos. Em seu livro, rejeita apontar para onde vai a literatura (“uma forma quase segura de erro”) e declara que a crítica é uma “avaliação cega do presente”, no que reside seu maior perigo e seu maior atrativo.
— Toda a cultura tem girado em torno do mercado, e a literatura não é necessariamente uma exceção. Sem dúvida, os escritores que me parecem mais interessantes são os que, ainda que conhecendo as leis do mercado, permanecem independentes. Gosto dos escritores que não se afligem pela consagração do mercado — diz.
O título do novo livro de Sarlo remete a um dos mais famosos da literatura argentina, “Ficções”, de Jorge Luis Borges, que reúne contos celebrados como “A biblioteca de Babel”, na qual o universo é equiparado a uma biblioteca inútil.
— Sem dúvida, Borges está inscrito na linha principal da estética e da literatura argentinas. É impossível ignorá-lo, embora muitos jovens escritores não escrevam a partir de Borges — afirma Sarlo.
“Ficciones argentinas”, recém-lançado em espanhol, é um mapa para quem se interessar em buscar o que há de mais relevante em autores que têm de conviver com um passado grandioso, mas, ao mesmo tempo, são desejosos de sua libertação. Em linhas gerais, Sarlo identifica na produção atual argentina a “morte dos heróis” e a “morte dos mistérios”. “Não há mistério que resista à internet”, diz ela. Os personagens são “tipos de última hora”, com as “novidades do último momento”, de um mundo globalizado. “Tudo se escreve com a dupla tranquilidade de Borges haver existido, mas sem que haja mais quaisquer dívidas pendentes”, escreve ela.
Em seu novo livro, Sarlo tenta explicar qual literatura se faz hoje na Argentina, além das sombras dos nomes consagrados mundialmente.
— Não rechaço uma comparação, ainda que me pareça desnecessária, justamente porque a nova literatura argentina, ou pelo menos aquela que me parece mais interessante, está buscando outras direções. Borges e (Julio) Cortázar, por sua vez, são dois escritores muito diferentes, que somente por mecanismos de mercado podem ser comparáveis. Depois de Borges, escreveram Manuel Puig e Juan José Saer, os grandes dos últimos 30 anos na literatura argentina. E, depois, escritores da minha própria geração como (Rodolfo) Fogwill e (César) Aira.
Para a crítica argentina, Borges e Cortázar não são nem sequer comparáveis.
— Como se alguém dissesse que dois escritores, por serem contemporâneos e terem nascido no mesmo país e serem reconhecidos, devem ser pensados como uma espécie de identidade dupla. Por outro lado, não é muito interessante organizar uma literatura em termos de cânones. Um cânon se torna imediatamente anacrônico e interessa mais à História do que à crítica. Este livro, justamente, lê o presente para liberar a literatura da ideia de cânon.
Sarlo relativiza a dificuldade da crítica num mundo em que o digital tornou ler e publicar algo mais acessível, sem que seja mais frequente.
— Não creio que seja nem difícil nem mais fácil o trabalho dos críticos. A crítica, em primeiro lugar, relaciona-se com o presente, ainda que, para ser crítico, seja necessário conhecer o passado e a história literária. Não poderia dizer que faço crítica se não estivesse lendo quem está sendo publicado neste momento. É o perigo e o maior atrativo da crítica.
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Reportagem por Plínio Fraga (Email) Publicado:
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/a-critica-argentina-beatriz-sarlo-lanca-coletanea-de-33-ensaios-7206242#ixzz2HEFRSyjL
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