Marcos Troyjo*
No momento em que a economia global tenta se recuperar, uma forte tendência ao "Conteúdo Local" mostra sua face
O mundo está menos plano. Neste instante em que a economia global tenta
recuperar-se das crises financeiras de 2008 e 2011, uma forte tendência
mostra sua face. Podemos chamá-la de "Local-Contentismo". Cada vez mais
países vêm adotando práticas de política industrial amparadas na noção
de "Conteúdo Local".
Na América Latina, o socialismo bolivariano ou o ultraliberalismo
apresentaram nos últimos 20 anos ao menos uma característica semelhante.
Não conceberam qualquer forma de política industrial. A tradução
econômica do socialismo bolivariano tem sido a mera
"estado-nacionalização" de ativos industriais. Combina um xenofobismo
"além-América Latina" com o equivocado pressuposto de que a riqueza está
nas instalações físicas, e não no know-how de pessoas e processos.
Ainda na América Latina, interpretou-se o Consenso de Washington como se
o fluxo desimpedido de capitais levasse sempre a alocações "ótimas"
também no setor manufatureiro. Formular políticas industriais seria algo
"fora de moda". Aqueles países que adotaram mais organicamente essas
diretrizes nos anos 90 experimentaram crises cambiais desestabilizantes e
encolhimento de parques industriais.
No Brasil, o apagão de política industrial que se instalara desde os
anos 80 foi interrompido apenas a partir de 2003. Seu principal
componente: o Local-Contentismo. São marcantes as exigências de conteúdo
local para a retomada de setores como indústria naval, software,
semicondutores, eletroeletrônicos e outros. Já em âmbito mundial, a
figura do mercado como instância "inteligente" para decisões industriais
encontra-se em xeque. O Estado-Nação e os governos retomaram o status
perdido em momentos de maior globalização.
Os EUA, o Japão e a Europa estão reformulando suas políticas de
"Local-Contentismo". Nessa dinâmica, noções como a de "empresa-rede"
-que espraia sua produção pelo mundo numa intricada combinação de
logística, custos relativos e talentos- estão perdendo espaço para
operações que se concentram num único mercado em que gozam dos
benefícios de compras governamentais e outros incentivos
"local-contentistas".
Mesmo a China, que nutriu seu crescimento à base da estratégia de
"nação-comerciante", hoje seduz o mundo industrial com grandes contratos
(em que o governo chinês, empresas e consumidores chineses são os
compradores) desde que a atividade seja desenvolvida localmente, assim
contratando mão de obra e gerando impostos na China.
Há claras diferenças entre "Local-Contentismo" e protecionismo
tradicional. Ao passo que o segundo é marcado por escudos tarifários e
quotas, o primeiro idolatra investimentos estrangeiros diretos e faz
amplo uso do instrumento de compras governamentais.
O "Local-Contentismo" é também uma das formas com que os países buscam
combater a hipercompetitividade chinesa. Eventuais perdas nos custos
comparativos com congêneres chineses são compensadas pelos benefícios
fiscais e de geração de empregos tornados possíveis por políticas
"local-contentistas".
Para a economia global em seu conjunto, o "Local-Contentismo" representa
perda de eficiência. Só se sustenta ao longo do tempo com margens de
lucro artificialmente alimentadas em nome do investimento no aumento da
competitividade. Assim, impactará negativamente a expansão do comércio
internacional e as rodadas da OMC.
Para o Brasil, o "Local-Contentismo" só terá valido a pena a longo prazo
se tiver gerado velozes ganhos de produtividade de modo que a indústria
local harmonize sua capacidade internacional de competir.
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