terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Pequenos contos de Leonardo Sakamoto saem da internet e chegam as livrarias

 (Editora Expressão Popular/Reprodução)


Em tempos de blogs, Facebook, tuítes… os minicontos ganham espaço nas telas dos computadores — nada melhor para aplacar a ira dos que criticam a superficialidade das redes sociais. O jornalista Leonardo Sakamoto lançou em livro, outubro passado, uma coletânea de pequenos contos que publica no Facebook ou em e-mails, sempre dirigidos ao amigos (no melhor sentido da palavra). “Não tenho pretensões literárias para além do humilde registro do real com cara de ficção que abraço cotidianamente na profissão”, destaca ele na apresentação do pequeno livro de 124 páginas e leitura rápida como um flash.

Com a delicadeza e o peso de um haicaísta, Sakamoto constrói em poucas frases um universo delicado e, ao mesmo tempo, visceral. Leva o leitor a sentimentos variados e desconcertantes. Doutor em ciência política, o jornalista e blogueiro cobriu conflitos armados no Timor Leste, Angola e Paquistão; é coordenador da ONG Repórter Brasil e traz em seu livro a preocupação com a condição humana. Está bom… é hora de conhecê-lo:

Três pequenos contos

"Primeiro, foram os nomes dos netos. Depois, a literatura que amava. E ela foi se despindo na frente de todos. Foi estranho, mas o Alzheimer lhe concedeu o direito a uma só lembrança. O que é forte o suficiente para vencer o vazio? Para ela, o primeiro encontro com o homem de sua vida. Passava as tardes na janela, esperando. ‘Ele vem’, dizia a todos… Então o marido, companheiro de décadas, passou a lhe trazer margaridas para cortejá-la. Até que, numa noite, ela disse, colocando as mãos em seus ombros: ‘Não precisa mais. Já me conquisto’. E dormiu o sono longo. Vovô ainda leva flores. Todos os dias"

"Tinha apenas um vestido, de chita, que ganhara do padrinho. Pouco importava que seu corpo sumisse nele. Ao vesti-lo, sentia-se a mulher mais linda do mundo. E, por isso, a mais linda se tornava. O seu brilho ofuscou as outras meninas da vila, que, de tocaia, rasgaram-no e o lançaram às cabras logo na véspera do São José. Chorou tanto que o umbu floresceu. Sua vó, então, colheu as flores e as costurou pacientemente na forma de um belo vestido branco. À noite, a festa sem lua iluminou-se com ela — que dançou sob a bênção das estrelas, sorrindo até a última pétala cair."

"Quando ficava de cama, seu pai trazia um velho livro cujas últimas três páginas haviam sido arrancadas. Então, ela se aninhava nos seus braço para inventarem juntos o final. Na gripe, a princesa fugiu do castelo e foi ser repórter. Perna quebrada: deixou o príncipe em casa cozinhando e saiu com as amigas. Amídalas? Juntou-se a outras e mudaram o mundo. Ontem, já crescida, foi comprar o primeiro livro para a filha. Escolheu com carinho, arrancou as três últimas páginas e, sorrindo, pediu: ‘Pra presente’."

Três perguntas para - Leonardo Sakamoto

Você acha que a literatura está saindo do cotidiano das pessoas?
Peguemos como exemplo meus alunos de jornalismo na PUC-SP. Não creio que não consomem literatura, mas é claro que, perguntando a eles, foi muito mais fácil encontrar quem leu J.K. Rowling e E.L. James do que Guimarães Rosa e Mia Couto. Não porque as duas primeiras sejam melhores, mas talvez porque produzam para uma geração ávida por imagens e velocidade — mesmo que transmitidas em forma de texto. Se considerarmos que não há nada mais próximo do cotidiano das pessoas do que as dificuldades da adolescência ou a descoberta sexual, vemos que a literatura continua bem perto do dia a dia. Particularmente, contudo, tenho a impressão que esses best sellers da era digital não dão muito margem para o leitor construir seus próprios caminhos a partir do texto, mas já entregam boa parte dos pacotes prontos para serem consumidos. Tenho um certo receio que essa literatura preguiçosa, mais do que em qualquer outro tempo, dite regras de comportamento, pasteurizando o cotidiano dos leitores.

Certa vez, Umberto Eco disse que a internet precisa de um filtro, pois grande parte das informações contidas nela são superficiais. Você concorda?
A internet não é algo paralelo ao mundo e sim uma de suas plataformas de interação. Portanto, essa superficialidade está na rede porque também está do lado de cá. A diferença é que, com a popularização da internet, conseguimos ter acesso a uma grande quantidade de informação em um curto espaço de tempo, tornando o fato de que consumimos informação superficial, digamos, mais perceptível. Não acho que seja pela superficialidade que precisamos de filtro, mas pela quantidade gigante de informações em si. Isso significa que nossa profissão vai mudar radicalmente. Creio que, em breve, vamos nos atrelar a jornalistas que confiamos para que façam a curadoria por nós, separando e analisando o que precisamos saber. Tão importante quanto o lado repórter será o nosso lado “porteiro”, uma vez que o lugar de destaque do jornalista como produtor de notícia foi mortalmente ferido com as possibilidades trazidas pelas tecnologias da comunicação.

O que vem em primeiro lugar, o jornalista ou o contista?
Acho que eu teria dificuldade de responder essa. Pois, ao meu ver, uma coisa não está dissociada da outra. Como jornalistas, somos grandes narradores da contemporaneidade. Que, por vezes, utilizam a ficção e em outros momentos a não-ficção para contar o nosso tempo.
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Reportagem por José Carlos Vieira.José Carlos Vieira
Publicação: 31/12/2012 
Fonte:  http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2012/12/31/

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