Mônica El Bayeh*
Chorão nos ensinou em morte que as dores da alma matam. Não adianta
fugir, elas correm atrás, perseguem sua presa. ¨Quando a casa cai, não
dá para fraquejar. Quem é guerreiro tá ligado, quem é guerreiro é
assim¨. Mas alguns guerreiros acham que a luta é contra a dor. E é aí
que perdem a batalha.
A dor maltrata. Mas não é nossa inimiga. Dor é sintoma, é alerta.
Tem que ser escutada. Dor é luz de óleo de carro quando acende. Não é
contra a luz que se tem que lutar. Precisa escutar a mensagem que ela
traz. Ou você toma providência ou bate o motor. Quando a dor foi maior
do que ele conseguia suportar, na ilusão de buscar a fuga, Chorão caiu
na boca do predador. Foi engolido pela própria dor.
Todos temos nossas dores. Na minha opinião, elas se dividem em
grandes e pequenas. Grandes, sempre as nossas. Pequenas, as dos
outros.
Nossas dores são sempre as piores, porque são as que nos tocam, nos cortam, nos ferem. As dos outros podemos imaginar – e dar muitos palpites. Porque nos outros tudo sempre parece de muito mais fácil solução.
Dor é cano estourado, é insuportável, é urgência. Tem que resolver,
estancar. Isso é só o que se pensa na hora do desespero. Todos já
passamos por isso. Cada um estanca como pode, nem sempre da melhor
forma, apenas da forma possível. Sobreviver já é lucro.
Não cabe aqui nenhum juízo de valor, nenhum julgamento. Cada um conserta seu cano como pode no momento. Só que, se eu tampo com chiclete, com toalha, num remendo mal ajeitado, tenho que saber que vai vazar e agravar muito o meu problema mais à frente.
Porque a dor é como a água, procura seu curso. Ou a gente para, enxerga ,tenta resolver e dar passagem para que ela nos conte a que veio, ou ela infiltra e se esgueira por outras direções.
Há pessoas que sentem pelo corpo: têm enxaquecas, dores de barriga,
de estomago, de coluna, pedras nos rins. É a dor buscando seu curso. A
dor busca expressão. É a forma que ela tem para mostrar que precisa
ser cuidada. O sintoma é um pedido de socorro sempre.
Uns dormem para esquecer. Outros não dormem, porque não conseguem esquecer. Noites e noites em claro.
Uns dormem para esquecer. Outros não dormem, porque não conseguem esquecer. Noites e noites em claro.
Há os que falam sem parar, e os que se calam completamente. Os que
fumam muito, bebem muito ou mergulham de cabeça numa panela de
brigadeiro e os que param de comer. Tem os que se drogam com remédios
ou drogas não oficiais. Em todos eles podemos ler o pedido de socorro
estampado no olhar. Em todos eles o grito mudo da dor. A vida lhes
dói, corta a carne por dentro e eles não sabem remendar esse cano para
resolver e estancar de vez. Nos olham perdidos, molhados de dor no meio
da inundação.
Aflitos, muitas vezes tentamos ajudar. Aí entra a questão da
solidão. Vida é solidão, sim. Não quero dizer com isso que seja ruim,
triste nem solitário. Mas, como disse o próprio Chorão, ¨nascemos
sozinhos e morremos sozinhos¨.
Nesse meio tempo, as decisões também são só nossas, por mais que
tenhamos família, amigos, parceiros, ¨uma palavra amiga , uma notícia
boa¨. Por mais que larguemos ou deleguemos, a decisão sempre será
nossa. Na hora de ir ou ficar, na hora de começar ou separar, na hora
do vamos ver, a decisão é só nossa. Ninguém no seu lugar. Isso é que é
solitário.
Sempre tive horror de hospitais e cirurgias. No meu primeiro parto,
escutava o barulho da maca no corredor vindo me buscar. Pagaria todo o
meu ouro, que nem é tanto assim, para quem quisesse trocar comigo.
Poucas vezes na vida me vi tão só. Era eu, não servia mais ninguém.
Isso é a solidão. O quarto estava cheio. Fez diferença? Nenhuma. A
barriga da vez era a minha, ninguém podia ir no meu lugar. Então eu
fui, com medo e tudo. Porque quando a vida não dá saída, a saída é ir.
Essa sensação de que não-tem-jeito-tem-que-ir é levemente
aterrorizante. ¨Mas também quero te mostrar que existe um lado bom
nessa história¨. A coragem de se lançar, mesmo com medo – e nem é pouco
– deixa um gosto de vitória que compensa, ao final. Se fingirmos não
ver nossas dores, nossas questões mais doídas, largamos de mão e não
tomamos posição, essa já é uma posição. Pesado, ruim? Não penso assim.
É complicado no início tomar posse da sua vida, segurar no volante e definir a direção. ¨Mas o tempo é rei, a vida é uma lição. E um dia a gente cresce, conhece a essência, ganha a experiência e aprende o que é raiz, então cria a consciência¨.
Um leme bem manuseado impede que o barco fique à deriva, ou bata em
tudo e acabe por naufragar. Assumir o lema da própria vida é difícil. À
primeira vista, parece que não vamos conseguir. Mas “para quem tem
pensamento forte, impossível é só questão de opinião. E disso os loucos
sabem.
Somos solitários desde sempre. Mas, a loucura de quem aposta na vida
e tenta buscar socorro às vezes é única sanidade possível. Saímos
vitoriosos quando aprendemos a lidar com a dor. E ¨quanto mais a gente
rala, mais a gente cresce¨.
A morte do Chorão, um rapaz novo, talentoso ¨com habilidade de fazer
histórias tristes virarem melodia¨, que cantava esperança para todos
nós, caiu como uma bigorna daquelas de história em quadrinhos, que deixa
o personagem achatado e sem forma por um tempo. Ainda me sinto
achatada e grudada no chão.
Chorão somos todos nós, com nossas dores e nossa solidão. Com
¨nossas histórias, dias de luta e dias de glória¨. Chorão, te devemos
mais essa. Que sua morte caia em nós como um grito de guerra pela
vida. Vamos continuar tentando ¨viver e cantar não importa qual seja o
dia. Vamos viver, vadiar, o que importa é nossa alegria¨.
Chorão, ¨você deixou saudade¨.
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* Mônica El Bayeh é professora e psicóloga.
Fonte: http://colunas.revistaepoca.globo.com/mulher7por7/2013/03/10/a-dor-e-a-dor-de-chorao/
Imagem da Internet
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