Diego Viana*
Com sua recusa ao consumo excessivo e à acumulação irrefletida de
bens, o estilo de vida minimalista pertence, por um lado, a um conjunto
de propostas e iniciativas para contrabalançar o consumismo e os
exageros da modernidade. Por outro, também se encaixa numa vasta
tradição de filosofias de vida ascéticas, monásticas ou frugais,
revelando que o pendor humano para os excessos não nasceu ontem.
Com diferentes roupagens, o elemento de redução das posses presente
no minimalismo contemporâneo também se encontra em vertentes do
ambientalismo, do anarquismo e de outros movimentos que denunciam o
descontrole do consumismo. Inspirados no romantismo americano do século
XIX, de escritores como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau,
autores como o também americano Duane Elgin - que escreveu "Simplicidade
Voluntária" - e o economista Ernst Friedrich Schumacher, autor de
"Small is Beautiful" em 1973, propõem a escolha de uma "vida simples" ou
um "consumo consciente".
Ao analisar as diferentes formas que assume o minimalismo de hoje, o
filósofo Cesar Candiotto, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUC-PR), afirma que "não se trata exatamente de abdicar do consumo, mas
do consumismo, que é a compulsão a adquirir bens geralmente supérfluos,
porém tornados objetos de necessidade pela propaganda".
Para Candiotto, existem semelhanças notáveis entre os
movimentos atuais e os antigos "relacionados à constituição de um estilo
de existência austero e simples", ainda que os objetivos sejam
diferentes. O filósofo cita a desigualdade social e a poluição da Terra
como duas das principais mazelas contemporâneas e enumera como
motivadores para a vida simples e despojada a solidariedade com os
miseráveis e a colaboração com a despoluição do planeta.
O professor acrescenta: "Ainda podem ser agregadas a postura de
recusa diante da saturação midiática da existência; um estilo de agir e
se comportar coletivamente que contrasta com o desperdício e o excesso
de lixo em busca de uma comunhão maior com a natureza; a renúncia aos
incômodos e às responsabilidades da vida opulenta, que muitas vezes
reduzem o indivíduo a uma empresa múltipla e ambulante, a um 'capital
humano' preso à busca de objetivos economicistas sempre inalcançáveis".
As referências de minimalistas à felicidade e à liberdade não são
casuais: explicitam questões de cunho ético. Segundo Candiotto, "a
moralidade economicista que incentiva a proliferação dos atos de consumo
tem como efeitos correlatos a desqualificação do desejo e a banalização
do prazer".
"Em contraposição, um trabalho ético do sujeito sobre si mesmo nesse
âmbito demanda a diminuição dos atos, a qualificação do desejo e a
intensificação do prazer. Significa consumir menos, aprender a moderar
os desejos para aquilo que realmente é importante, desfrutar de uma
satisfação intensa e, se possível, duradoura com aquilo que se adquire
com maiores sacrifícios e com maior demanda de tempo", diz.
"O problema é quando somos escravos
dos bens materiais: para acumulá-los,
sacrificamos outros bens preciosos",
diz Candiotto
A decisão de abrir mão de quase todos os bens e viver com o mínimo
possível até mesmo de peças de roupa, em nome da liberdade e da
felicidade, remete a uma série de doutrinas, dentre as quais a mais
antiga, no Ocidente, é o cinismo dos gregos Antístenes e Diógenes. Os
antigos cínicos foram os primeiros a advertir que os bens e as glórias,
criados e reproduzidos para gerar conforto e satisfação, podem, ao
contrário, tornar-se fontes de infelicidade, verdadeiras prisões do
espírito.
Doutrinas semelhantes se encontram em vertentes do hinduísmo e do
budismo, nas vertentes monásticas do cristianismo, como o franciscano,
que recomendam o voto de pobreza, nas religiões que emergiram da Reforma
Protestante defendendo a frugalidade e o trabalho duro, e que ainda se
encontram em grupos como os menonitas e os amish.
"Os bens materiais não são elementos redutores da vida quando são
tomados como meios para viver com dignidade. A pobreza e a
miserabilidade estão associadas à indisponibilidade dos meios
indispensáveis para viver razoavelmente", diz Candiotto. "O problema é
quando nos tornamos escravos dos bens materiais: para acumulá-los,
sacrificamos outros bens preciosos, como o tempo necessário para
acompanhar a educação dos filhos ou momentos dedicados ao lazer
criativo."
O psicólogo Marcio Miotto, da Universidade Federal Fluminense (UFF),
encontra em elementos do minimalismo ecos das ideias de Thoreau, mas com
diferenças cruciais. No livro "Walden" (1854), o escritor relata sua
experiência vivendo em uma cabana. Ele se refere à vida nas cidades como
um "mundo de notícias" onde as pessoas vivem afastadas das sensações de
seus próprios corpos, daquilo que elas vivem em cada momento, para se
conectar virtualmente com fatos e ideias sem nenhuma vinculação com sua
vida corrente.
"Por um lado, ter menos bens pode ser uma maneira de se livrar de
vínculos fracos com todos esses bens", diz Miotto. "Mas também existe
uma tendência de virtualização que, ao mesmo tempo, é um agravamento
dessa falta de vínculo." O psicólogo se refere ao fato de que muitos dos
bens que antes povoavam os apartamentos hoje estão contidos em
aparelhos eletrônicos, eles mesmos consumidos e sujeitos a um processo
acelerado de obsolescência e substituição.
"Além dos objetos virtuais, o mesmo ocorre com as relações afetivas,
que se tornam sazonais: os apartamentos são menores porque neles vivem
pessoas sozinhas; a mobilidade e a conectividade são enormes, mas sempre
por meio de apetrechos técnicos e assim por diante", afirma.
Em 1899, o economista e sociólogo Thorstein Veblen foi pioneiro nas
críticas aos excessos do consumismo, antes até de ser cunhado o termo
"sociedade do consumo". No livro "A Teoria da Classe Ociosa", Veblen faz
uma crítica ao "consumo conspícuo", que não visa satisfazer
necessidades reais, mas reafirmar a condição social. Como essa forma de
consumir é uma competição e incentiva os não tão ricos a tentar parecer
que o são, resulta uma tendência ao consumismo incontrolável.
"A ansiedade decorrente da busca insaciável do acúmulo de bens nos
faz perder o bom senso. Tornâmo-nos permeáveis à corrupção, ao engano e à
concorrência desleal", diz Candiotto. A corrida frenética por bens,
marcas e conforto pode gerar o efeito inverso: desconforto com o excesso
de badulaques. Ainda assim, para Candiotto, a solução não passa
necessariamente pelo radicalismo de Diógenes, como algumas vertentes do
anticonsumismo chegam a defender. "Quiçá o fundamental não seja dispor
de mais ou de menos bens materiais, mas examinar que tipo de relação
podemos ter com eles. É possível 'viver mais com menos', mas isso não
significa que quem 'tem mais' não possa viver a simplicidade; e quem
'tem menos' necessariamente viva melhor."
Além de pioneiro, Diógenes é o mais radical precursor do minimalismo.
Para demonstrar sua filosofia frugal, Diógenes vivia em um barril nos
arredores de Atenas e reduziu suas posses a apenas uma cuia para tomar
água. Ao ver um menino usar as mãos em forma de concha para beber,
livrou-se da cuia. Conta-se que Alexandre Magno admirava o filósofo
cínico e, ao conquistar Atenas, foi lhe oferecer glórias e riquezas. Mas
ouviu como resposta que tudo que Diógenes queria era que o imperador
macedônio deixasse de bloquear o sol.
Nem o bucolismo de Jean-Jacques Rousseau e Thoreau, nem o
franciscanismo, nem as vertentes mais radicais do calvinismo se
aproximam, segundo Candiotto, da recusa radical à opulência da
civilização que Diógenes defendeu e viveu: "A vida como escândalo da
verdade, o discurso provocativo e a pregação crítica constituíam
diferentes modos de limitar a mitificação do poder e a artificialidade
da moralidade vivente", diz. "Diógenes viveu nos limites da cidade e
seus valores, algo que não ocorrera até mesmo com Sócrates."
"A pobreza monástica e as atuais formas de ascese colocam um
interrogante na sociedade em que vivemos, mas geralmente não assumem na
própria pele a vulnerabilidade da vida, a completa insegurança social,
como observamos no cinismo antigo", diz o professor. "Vida modesta, mas
não insegura; vida simples, mas não vulnerável. Geralmente pessoas que
fazem essa opção de vida comem bem, dormem bem e têm poucas
preocupações."
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* Para Valor Econômico.
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