sexta-feira, 22 de março de 2013

A eterna procura da simplicidade

Diego Viana*
 Adria Ellis/Divulgação / Adria Ellis/Divulgação
 Hyde, escritor e consultor de "startups", reduziu tudo o que tinha a 15 coisas e já viajou por 15 países, incluindo o Brasil, 
reunindo histórias para um livro lançado em 2012

Com sua recusa ao consumo excessivo e à acumulação irrefletida de bens, o estilo de vida minimalista pertence, por um lado, a um conjunto de propostas e iniciativas para contrabalançar o consumismo e os exageros da modernidade. Por outro, também se encaixa numa vasta tradição de filosofias de vida ascéticas, monásticas ou frugais, revelando que o pendor humano para os excessos não nasceu ontem.

Com diferentes roupagens, o elemento de redução das posses presente no minimalismo contemporâneo também se encontra em vertentes do ambientalismo, do anarquismo e de outros movimentos que denunciam o descontrole do consumismo. Inspirados no romantismo americano do século XIX, de escritores como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, autores como o também americano Duane Elgin - que escreveu "Simplicidade Voluntária" - e o economista Ernst Friedrich Schumacher, autor de "Small is Beautiful" em 1973, propõem a escolha de uma "vida simples" ou um "consumo consciente".

Ao analisar as diferentes formas que assume o minimalismo de hoje, o filósofo Cesar Candiotto, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), afirma que "não se trata exatamente de abdicar do consumo, mas do consumismo, que é a compulsão a adquirir bens geralmente supérfluos, porém tornados objetos de necessidade pela propaganda".

Para Candiotto, existem semelhanças notáveis entre os movimentos atuais e os antigos "relacionados à constituição de um estilo de existência austero e simples", ainda que os objetivos sejam diferentes. O filósofo cita a desigualdade social e a poluição da Terra como duas das principais mazelas contemporâneas e enumera como motivadores para a vida simples e despojada a solidariedade com os miseráveis e a colaboração com a despoluição do planeta.

O professor acrescenta: "Ainda podem ser agregadas a postura de recusa diante da saturação midiática da existência; um estilo de agir e se comportar coletivamente que contrasta com o desperdício e o excesso de lixo em busca de uma comunhão maior com a natureza; a renúncia aos incômodos e às responsabilidades da vida opulenta, que muitas vezes reduzem o indivíduo a uma empresa múltipla e ambulante, a um 'capital humano' preso à busca de objetivos economicistas sempre inalcançáveis".

As referências de minimalistas à felicidade e à liberdade não são casuais: explicitam questões de cunho ético. Segundo Candiotto, "a moralidade economicista que incentiva a proliferação dos atos de consumo tem como efeitos correlatos a desqualificação do desejo e a banalização do prazer".

"Em contraposição, um trabalho ético do sujeito sobre si mesmo nesse âmbito demanda a diminuição dos atos, a qualificação do desejo e a intensificação do prazer. Significa consumir menos, aprender a moderar os desejos para aquilo que realmente é importante, desfrutar de uma satisfação intensa e, se possível, duradoura com aquilo que se adquire com maiores sacrifícios e com maior demanda de tempo", diz.

"O problema é quando somos escravos 
dos bens materiais: para acumulá-los,
 sacrificamos outros bens preciosos", 
diz Candiotto

A decisão de abrir mão de quase todos os bens e viver com o mínimo possível até mesmo de peças de roupa, em nome da liberdade e da felicidade, remete a uma série de doutrinas, dentre as quais a mais antiga, no Ocidente, é o cinismo dos gregos Antístenes e Diógenes. Os antigos cínicos foram os primeiros a advertir que os bens e as glórias, criados e reproduzidos para gerar conforto e satisfação, podem, ao contrário, tornar-se fontes de infelicidade, verdadeiras prisões do espírito.

Doutrinas semelhantes se encontram em vertentes do hinduísmo e do budismo, nas vertentes monásticas do cristianismo, como o franciscano, que recomendam o voto de pobreza, nas religiões que emergiram da Reforma Protestante defendendo a frugalidade e o trabalho duro, e que ainda se encontram em grupos como os menonitas e os amish.

"Os bens materiais não são elementos redutores da vida quando são tomados como meios para viver com dignidade. A pobreza e a miserabilidade estão associadas à indisponibilidade dos meios indispensáveis para viver razoavelmente", diz Candiotto. "O problema é quando nos tornamos escravos dos bens materiais: para acumulá-los, sacrificamos outros bens preciosos, como o tempo necessário para acompanhar a educação dos filhos ou momentos dedicados ao lazer criativo."

O psicólogo Marcio Miotto, da Universidade Federal Fluminense (UFF), encontra em elementos do minimalismo ecos das ideias de Thoreau, mas com diferenças cruciais. No livro "Walden" (1854), o escritor relata sua experiência vivendo em uma cabana. Ele se refere à vida nas cidades como um "mundo de notícias" onde as pessoas vivem afastadas das sensações de seus próprios corpos, daquilo que elas vivem em cada momento, para se conectar virtualmente com fatos e ideias sem nenhuma vinculação com sua vida corrente.

"Por um lado, ter menos bens pode ser uma maneira de se livrar de vínculos fracos com todos esses bens", diz Miotto. "Mas também existe uma tendência de virtualização que, ao mesmo tempo, é um agravamento dessa falta de vínculo." O psicólogo se refere ao fato de que muitos dos bens que antes povoavam os apartamentos hoje estão contidos em aparelhos eletrônicos, eles mesmos consumidos e sujeitos a um processo acelerado de obsolescência e substituição.

"Além dos objetos virtuais, o mesmo ocorre com as relações afetivas, que se tornam sazonais: os apartamentos são menores porque neles vivem pessoas sozinhas; a mobilidade e a conectividade são enormes, mas sempre por meio de apetrechos técnicos e assim por diante", afirma.

Em 1899, o economista e sociólogo Thorstein Veblen foi pioneiro nas críticas aos excessos do consumismo, antes até de ser cunhado o termo "sociedade do consumo". No livro "A Teoria da Classe Ociosa", Veblen faz uma crítica ao "consumo conspícuo", que não visa satisfazer necessidades reais, mas reafirmar a condição social. Como essa forma de consumir é uma competição e incentiva os não tão ricos a tentar parecer que o são, resulta uma tendência ao consumismo incontrolável.

"A ansiedade decorrente da busca insaciável do acúmulo de bens nos faz perder o bom senso. Tornâmo-nos permeáveis à corrupção, ao engano e à concorrência desleal", diz Candiotto. A corrida frenética por bens, marcas e conforto pode gerar o efeito inverso: desconforto com o excesso de badulaques. Ainda assim, para Candiotto, a solução não passa necessariamente pelo radicalismo de Diógenes, como algumas vertentes do anticonsumismo chegam a defender. "Quiçá o fundamental não seja dispor de mais ou de menos bens materiais, mas examinar que tipo de relação podemos ter com eles. É possível 'viver mais com menos', mas isso não significa que quem 'tem mais' não possa viver a simplicidade; e quem 'tem menos' necessariamente viva melhor."

Além de pioneiro, Diógenes é o mais radical precursor do minimalismo. Para demonstrar sua filosofia frugal, Diógenes vivia em um barril nos arredores de Atenas e reduziu suas posses a apenas uma cuia para tomar água. Ao ver um menino usar as mãos em forma de concha para beber, livrou-se da cuia. Conta-se que Alexandre Magno admirava o filósofo cínico e, ao conquistar Atenas, foi lhe oferecer glórias e riquezas. Mas ouviu como resposta que tudo que Diógenes queria era que o imperador macedônio deixasse de bloquear o sol.

Nem o bucolismo de Jean-Jacques Rousseau e Thoreau, nem o franciscanismo, nem as vertentes mais radicais do calvinismo se aproximam, segundo Candiotto, da recusa radical à opulência da civilização que Diógenes defendeu e viveu: "A vida como escândalo da verdade, o discurso provocativo e a pregação crítica constituíam diferentes modos de limitar a mitificação do poder e a artificialidade da moralidade vivente", diz. "Diógenes viveu nos limites da cidade e seus valores, algo que não ocorrera até mesmo com Sócrates."

"A pobreza monástica e as atuais formas de ascese colocam um interrogante na sociedade em que vivemos, mas geralmente não assumem na própria pele a vulnerabilidade da vida, a completa insegurança social, como observamos no cinismo antigo", diz o professor. "Vida modesta, mas não insegura; vida simples, mas não vulnerável. Geralmente pessoas que fazem essa opção de vida comem bem, dormem bem e têm poucas preocupações."
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* Para Valor Econômico.

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