Por Alexandre Rodrigues | Para o Valor, de São Paulo
Criado em um apartamento de 600 metros quadrados na Barra da Tijuca,
no Rio, o escritor carioca Alex Castro cresceu tendo para si um quarto
com mais de 20 metros quadrados. Hoje vive em um apartamento pouco maior
do que isso. Nos 22 metros que ocupa, em Copacabana, são poucos os
móveis e objetos e, se há um sofá e uma rede, não há espaço para uma
cama. Nem gavetas nem armários, exceto um pequeno, de limpeza. Além de
três pares de sapatos, seus pertences são outros três de Havaianas, três
calças, uma camisa, 12 camisetas (número aproximado), dois casacos, um
blazer, dois jogos de toalhas, dois de cama, alguns utensílios de
cozinha, um notebook, um Kindle, um celular e uma câmera digital.
Poderia ser uma história de ruína financeira, mas se trata de um
fenômeno cada vez mais observável. Castro aderiu a um estilo de vida
minimalista.
Como os movimentos artísticos do século passado que lhe emprestam o
nome, o minimalismo do século XXI prega a redução do estilo de vida ao
essencial. O fenômeno ganhou uma vertente importante a partir da
digitalização da cultura e da internet. As músicas se tornaram MP3,
descartando os CDs. Serviços como o Netflix, que passam filmes em
"streaming", e "torrents" feriram de morte os DVDs. Os livros ainda
resistem, mas para muitos é questão de tempo - a Amazon já vende mais
livros eletrônicos do que físicos e hoje uma biblioteca inteira pode ser
guardada e lida em um "tablet" ou Kindle. Veio a crise na economia
mundial e a ideia de consumir menos ganhou novos adeptos.
"Não tenho um simples CD ou DVD e tenho só 10% dos livros que já
tive", escreveu Graham Hill, milionário da bolha da internet, na semana
passada, no jornal "The New York Times". Após enriquecer vendendo sua
primeira empresa, Sitewerks, por mais de US$ 300 milhões em 1998, ele se
viu de uma hora para outra comprando óculos de US$ 300, "gadgets" de
todo tipo e com um Volvo turbo na garagem. A certa altura, sem tempo,
tinha um "personal shopper", treinado em seus gostos pessoais, para não
precisar ir às compras pessoalmente.
Com o tempo, sua vida se complicou. Decidiu mudar-se para um
apartamento de quatro andares em Nova York, que precisava de novos
móveis e acessórios. O momento em que decidiu abandonar tudo veio quando
conheceu Olga, nascida em Andorra, que o fez deixar os Estados Unidos e
ir morar em um pequeno apartamento em Barcelona. Depois, nem isso.
O casal viveu como nômade entre Buenos Aires, Bangcoc, na Tailândia, e
Toronto, no Canadá. Mesmo o romance tendo acabado, Hill não voltou à
antiga vida: "Eu gosto de coisas materiais tanto quanto qualquer um.
Estudei design de produtos no colégio. Apoio 'gadgets', roupas e todos
os tipos de coisas. Mas minhas experiências mostram que depois de certo
ponto os objetos materiais têm uma tendência a piorar as necessidades
emocionais que deveriam apoiar".
"Os objetos têm tendência a piorar as necessidades emocionais que deveriam apoiar",
afirma o milionário Graham Hill
Histórias como a dele se contrapõem a um fenômeno: somos
acumuladores. Não é preciso recorrer a casos extremos de pessoas que
vivem cercadas pelo próprio lixo. Em um estudo da Universidade da
Califórnia, antropólogos submergiram por nove anos na vida de 32
famílias de classe média americanas. Fotografaram cada objeto que
entrava nas casas, registrando o atulhamento. Constataram que gerenciar a
quantidade de tralhas acumuladas é uma das prioridades de qualquer
morador adulto e que há uma curiosa correlação entre a bagunça de ímãs e
bilhetes na porta da geladeira e do resto da casa. E a melhor de todas:
75% das garagens estavam tão lotadas de quinquilharias que já não
permitiam a entrada dos carros.
Nas últimas décadas, estudos de psicologia revelaram os efeitos
negativos desse hábito. Pessoas consumistas são mais ansiosas, infelizes
e antissociais, concluíram, em uma série de estudos, dois pesquisadores
americanos, Tim Kasser e Aaron Ahuvia. No ano passado, um trabalho
conduzido por Galen V. Bodenhausen, da Universidade Northwestern, também
nos Estados Unidos, chegou às mesmas conclusões, acrescentando que
entre os consumistas desenfreados as taxas de bem-estar eram mais baixas
do que em outros grupos.
O culto do "viver com menos" propõe uma ida ao extremo oposto. Não é
um movimento, mas um fenômeno de muitas facetas, sem causa única e
nenhuma regra. Mesmo assim, a ideologia minimalista se espalha na
internet, com centenas de sites, blogs e perfis em redes sociais
contando experiências e dando sugestões. "Não sei bem se há um
movimento. Mas existem cada vez mais pessoas pensando que é simplesmente
insustentável a quantidade de objetos que carregamos pela vida", diz
Alex Castro, que discute o minimalismo em seu site pessoal
(alexcastro.com.br).
Ler a respeito fez Andrew Hyde, escritor e consultor de "startups",
desistir do apartamento onde acumulava coisas de uma vida toda.
Primeiro, reduziu todos os pertences a cem itens. Concluiu: ainda era
demais. Em agosto de 2010, pôs à venda quase tudo e ficou com apenas 15
coisas. Desde então, é o máximo de objetos que se permite ter.
Descoberto por um radialista, ficou famoso. Aproveitou a notoriedade e,
com itens como uma mochila, um par de camisas (veste uma a cada dois
dias), um iPhone e uma toalha, viajou por 15 países, inclusive o Brasil
no segundo semestre de 2012, reunindo histórias para o livro "A Modern
Manual - 15 Countries with 15 Things" (Um manual moderno - 15 países com
15 coisas").
"Quando algo estraga, tento consertar. Se não consigo, compro algo
parecido na loja", conta. E não foi só. Além de ter só 15 coisas,
decidiu, como Hill, não ter mais moradia fixa. Continua viajando e
cumprindo, em paralelo ao projeto minimalista, uma lista de desafios
pessoais, como correr uma maratona (cumpriu), cair na festa em Barcelona
(cumpriu) e escalar grandes montanhas (a cumprir).
"É um processo de anos. Você vai percebendo que precisa de menos
coisas. Que não precisa de dez calças, de dez pares de sapatos. Que não
precisa ter na estante todos os livros que leu", diz Alex Castro. Ele se
preocupa agora em manter o estilo de vida espartano também no mundo
digital. "Não guardo filme algum. Sempre que assisto, apago."
O conceito não é novo. Sem contar o exemplo do filósofo Diógenes, que
na Grécia Antiga condenava os luxos da civilização e viveu em um
barril, e uma penca de santos, Steve Jobs foi um minimalista. Uma
ironia, já que parte importante de seus negócios era convencer pessoas a
abandonar seus antigos MacBooks, iPhones, iPods e iPads por novos
modelos. Mesmo rico, quando solteiro ele vivia praticamente sem nada:
uma foto de Einstein em um porta-retratos, uma luminária, uma cadeira e
uma cama. O humorista Ronald Golias (morto em 2005), outro adepto das
poucas posses, dizia que cada uma significava uma nova responsabilidade e
com um número pequeno podia usufruir melhor de todas.
A ideia de que podemos viver com bem menos - no caso, espaço - também
está por trás de alguns empreendimentos imobiliários recentes em São
Paulo. Apartamentos de pouco mais de 20 metros quadrados já são comuns
nos lançamentos em bairros como Campo Limpo, Brooklin e Bela Vista.
Repete-se aqui a tendência já verificada em metrópoles como Montreal,
Hong Kong e Tóquio, onde a falta de espaço fez dos "miniflats" o padrão
nas construções.
Pouco espaço significa poucos pertences. O impacto afeta a maneira
como cada um se relaciona com o lugar onde vive. "Essa noção de lar
restrito ao espaço físico se expandiu. Posso estar em outra cidade, mas,
ao me conectar à internet, converso com meus amigos e minha família
como se estivesse em casa", diz o arquiteto Guto Requena, um dos
responsáveis pelo projeto do escritório do Google em São Paulo. "Imagino
para o futuro uma tribo de nômades capazes de, com poucos pertences e
constantemente conectados, fazer de qualquer lugar o próprio lar."
Não precisa imaginar. É a vida do americano Chris Yurista,
agente de viagens e DJ, morador de Washington, que, vendo os pertences
aos quais dava valor transformados em mídia digital - chegou a ter dois
mil discos de vinil -, em 2009 decidiu abandonar o apartamento no porão
onde morava e, guardando suas melhores roupas, um Macbook, um HD externo
com 13 mil MP3s, um miniteclado musical e uma bicicleta, nunca mais
teve um lar. "Não me sinto vazio vivendo como vivo porque descobri uma
maneira de usar a tecnologia digital para minha vantagem", diz. Noite
após noite, dorme nos sofás de amigos ou quartos de hotel.
"Há cada vez mais pessoas pensando que
é insustentável a quantidade de objetos
que carregamos pela vida",
diz Alex Castro
Mas, se reduz pertences ao menos possíveis, o estilo de vida
minimalista não rompe com a sociedade de consumo. É sintomático que
várias vezes, entre os objetos restantes, sejam listados aparelhos da
Apple, a mais fetichista das marcas. Além do mais, um Kindle, um
videogame, um bom computador e um smartphone como o iPhone ou o Samsung
Galaxy custam, somados, mais do que uma estante cheia de livros, fora
valer mais do que a renda anual da população de muitos países. Com a
evolução da tecnologia, também acabam trocados de tempos em tempos,
aumentando a pilha de lixo tecnológico.
A reação do inglês Mark Boyle a essas contradições foi a experiência
minimalista mais radical. Ex-dono de duas empresas de comida orgânica,
formado em economia, em 2008 ele decidiu renunciar ao dinheiro. "Na
manhã em que finalmente desisti de usar dinheiro, o mundo inteiro mudou.
Foi no mesmo dia das notícias sobre a quebra dos bancos envolvidos em
negócios no mercado de hipotecas subprime. Então, quando comecei a
contar às pessoas os meus planos, concluíram que estava me preparando
para algum tipo de colapso financeiro apocalíptico", relata.
Em diversas formas - cacau, gado, sal, ouro etc. -, o dinheiro
acompanha a civilização humana desde o início. Mesmo as trocas simples,
por meio do escambo, davam valores diferentes às mercadorias. "O
dinheiro como meio de troca é antigo, mas como mediador universal de
quase todas as relações humanas é moderno", afirma Lincoln Ferreira
Secco, professor do Departamento de História da Universidade de São
Paulo (USP). As moedas de metal foram uma invenção dos gregos, no século
VII a.C. Desde então, o sistema financeiro só fez evoluir.
Boyle resolveu que dava para viver sem dinheiro. Na Inglaterra, uma
série de artigos para o jornal "The Guardian", que o batizou de "o homem
sem dinheiro", fez dele uma celebridade. Vive em um trailer velho, que
ia ser jogado fora, no Sudoeste da Inglaterra, plantando a própria
comida e usando baterias solares para recarregar o celular e o notebook.
Cozinha em um forno a lenha com a madeira que colhe na floresta. Depois
de um ano da experiência, escreveu um livro, "The Moneyless Man: a Year
of Freeconomic Living" (O homem sem dinheiro: um ano vivendo na
economia livre), em que conta como foi a experiência. "Foi difícil nos
primeiros dois ou três meses. Tudo era novo para mim, mas, desde então,
ficou mais fácil e é o período da vida em que mais me senti livre", diz.
Mesmo admitindo que dificilmente terá muitos seguidores, Boyle tenta
dar um alcance maior a seu esforço. É o autor do "Manifesto sem
Dinheiro", mantém um site pessoal, colabora regularmente com o
"Guardian" e dá palestras conclamando as pessoas a renunciar a um dos
maiores pilares da civilização humana. Caso parecido com a da alemã
Heidemarie Schwermer, que viveu sem dinheiro por 15 anos até ser
descoberta por uma equipe da BBC e virar tema do documentário "Living
without Money" (Vivendo sem dinheiro), que relata sua história: é
aposentada, ganha bem, mas doa todo o dinheiro para a caridade, mesmo
destino da renda dos três livros que escreveu. Tem três filhos e duas
netas, que visita com alguma frequência. No restante do tempo, vaga sem
rumo.
Seus pertences cabem numa mala com rodinhas, que leva em viagens pela
Europa, convidada por anfitriões que pagam a passagem para que os
visite. Quando jovem, ela visitou o Brasil. Chocada com a pobreza que
viu nas favelas, mesmo seguindo carreira como professora e depois
psicoterapeuta, passou a achar que havia algo errado com o dinheiro. Fez
quatro experiências de abandoná-lo, aumentando a duração a cada vez,
até que em 1995 doou a casa, as roupas e outros bens, passando a trocar
pequenos serviços por comida e roupas. "Ainda usei algum dinheiro nos
três primeiros meses, mas então aprendi a viver sem nada", afirma. Hoje,
os convites já não incluem trabalho, apenas sua presença.
Tanto Heidemarie como Boyle e outro famoso sem dinheiro, o americano
Daniel Suelo, que vive numa caverna no Utah e é tema da biografia "The
Man Who Quit Money" (O homem que deixou o dinheiro), escrita por Mark
Sundeen, dizem que é possível para uma sociedade abandonar o dinheiro
sem entrar em colapso. Algo que para Lincoln Secco é impossível: "Os
socialistas utópicos, como Proudhon [socialista francês do século XIX]
até criaram substitutos do dinheiro, como a troca de produtos de acordo
com o tempo de trabalho. Mas isso sempre foi marginal. Nenhuma economia
socialista tentou chegar perto da abolição do dinheiro", observa o
professor da USP.
Movimentos de contestação, nos quais o minimalismo e a renúncia ao
dinheiro se encaixam, são, segundo Secco, cíclicos e comuns à história
do capitalismo. "Desde o século XIX, avançam com a exibição de novas
facetas maléficas do capitalismo, como a destruição ambiental, a
monopolização, a manipulação genética de produtos agrícolas apenas
subordinada ao lucro etc.".
Apesar de se dizer simpático aos minimalistas, Guto Requena também
não imagina a maioria da humanidade, mesmo vivendo em espaços pequenos,
reduzida ao essencial. Afinal, somos fetichistas. "A casa do futuro não
vai ser a casa dos Jetsons. Ainda vai ser cheia de lembranças.
Carregamos conosco aquilo que nos traz algum tipo de sentimento, seja um
urso de pelúcia ou a cadeira que pertenceu à avó."
Mas no fim das contas é impossível entender o que atrai no estilo de
vida minimalista sem levar em conta um aspecto: a sensação de liberdade
por não ter tantos pertences é algo repetido em todas as entrevistas. O
ato de abandonar objetos é descrito quase sempre como uma experiência
libertadora, quase religiosa. "Me sinto bem livre, sempre", diz Alex
Castro. "Minha liberdade não tem nada a ver com o número de meus
pertences." E Graham Hill: "Não há nenhuma indicação de que essas coisas
[os objetos] fazem alguém feliz; de fato, parece o contrário".
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