O sociólogo italiano Domenico De Masi, durante entrevista em São Paulo.
Para o sociólogo italiano Domenico De Masi, "o Brasil não é o melhor dos
mundos possíveis, mas é o melhor dos mundos existentes".
"Depois de copiar o modelo europeu por 450 anos e o modelo americano por
50, agora que ambos estão em crise e ainda não há um novo para
substituí-lo, chegou a hora de o Brasil propor um modelo para o mundo",
diz De Masi.
De Masi desembarca no país para participar da primeira edição do
"Refletir Brasil - Diálogo com a Brasilidade", em Paraty, de 20 a 22 de
março. O evento reunirá intelectuais e lideranças em mesas temáticas
sobre cultura, educação, economia, criatividade e sustentabilidade.
Professor da universidade romana de La Sapienza, De Masi, hoje aos 75
anos, se tornou internacionalmente conhecido em 2000, com o lançamento
de "O Ócio Criativo".
Na obra, o autor defende a redução das jornadas de trabalho e a
flexibilização do tempo livre, em um contexto mais adequado à
globalização e à sociedade pós-industrial.
Desde então, tem se dedicado à análise da organização da cultura de
trabalho criativo na vida contemporânea e a estudos comparativos sobre a
herança de diferentes modelos de vida no mundo --do indiano, chinês ou
japonês, ao muçulmano, judaico, católico ou protestante.
Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Folha.
*
BRASIL
O Brasil ainda hoje é menos conhecido e valorizado do que merece. O
Brasil é quase tão grande como a China, mas é uma democracia. O Brasil é
quase três vezes maior que a Índia, tem quase o mesmo número de etnias e
de religiões, mas vive em paz interna e em paz com os países
limítrofes. O Brasil é quatro vezes maior que a zona do Euro, mas tem um
único governo e fala uma única língua. O Brasil é o país onde há mais
católicos, mas onde a população vive da forma mais pagã. O Brasil é o
único país no mundo onde a cultura ainda mantém características de
solidariedade, sensualidade, alegria e receptividade.
DESAFIOS
A força de um país não está apenas no seu crescimento econômico, mas
principalmente na sua capacidade de distribuir igualmente a riqueza, o
trabalho, o poder, o saber, as oportunidades e as proteções. Os desafios
aqui são o analfabetismo, a violência e a desigualdade. É realizar esta
redistribuição mais igualitariamente em comparação a outros países e
manter a melhor relação entre economia e felicidade.
ITÁLIA
A Itália, depois de ter durante dois mil anos elaborado, praticado e
oferecido um modelo clássico, renascentista, barroco, agora está cansada
e não consegue projetar o futuro. A decadência é autodestrutiva. Depois
de ter tentado se suicidar com Mussolini, agora a Itália vivencia um
suicídio cômico com Berlusconi e Grillo.
EUROPA
Não acredito de modo nenhum que a Europa --e principalmente o pensamento
europeu-- tenham perdido importância no cenário intelectual e, muito
menos, econômico. A zona do Euro tem uma renda média per capita de US$
36.600 [o Brasil é de US$ 10.700]. Na Europa há os países escandinavos
com os melhores "welfare" [bem-estar social] do mundo; tem Luxemburgo,
Suíça e Alemanha, com os maiores PIBs per capita; a Itália e a Alemanha
com maior esperança média de vida.
A Europa é o continente mais escolarizado e com melhores pesquisas
científicas. A zona do euro está em primeiro lugar no comércio
internacional, no rendimento de serviços, nas reservas auríferas e
financeiras, tem um quarto de todo o comércio internacional.
Dos dez países no mundo com o índice mais alto de democracia, sete são
europeus; daqueles com maior criatividade econômica, cinco são europeus;
com o mais alto índice de capacidade tecnológica, oito são europeus;
com mais turistas estrangeiros, cinco são europeus; com a maior extensão
de banda larga, sete são europeus; com os museus mais frequentados,
seis são europeus.
Na Europa cada país tem seu clima, seu modelo de vida, sua cultura. Mas a
moeda é única, os cidadãos e as mercadorias podem viajar livremente de
um país ao outro. Tudo justifica a hipótese de que em 2020 a Europa dos
27 será o maior bloco econômico do mundo, com a melhor qualidade de
vida.
FUTURO
Daqui a dez anos a população mundial será um bilhão maior do que a de
hoje. Um cidadão em cada três terá mais de 60 anos. Informática,
engenharia genética e nanotecnologias serão os setores tecnológicos mais
importantes. Poderemos levar no bolso todas as músicas, os filmes, os
livros, a arte e a cultura do mundo. O PIB per capita no mundo será de
US$ 15.000 --contra os atuais US$ 8.000.
Tele-aprenderemos, tele-trabalharemos, tele-amaremos e
tele-divertiremo-nos. O trabalho ocupará apenas um décimo de toda a vida
dos trabalhadores. As mulheres estarão no centro do sistema social. O
mundo será mais rico, mas continuará desigual. A estética dos objetos e a
cortesia nos serviços interessarão mais do que sua evidente perfeição
técnica. A homologação global prevalecerá sobre a identidade local.
EXEMPLOS
Há iniciativas empresariais e governamentais atuais na América Latina
que considero exemplares e dialogam com o futuro. Como o projeto Abreu
na Venezuela (de educação e formação musical da população), as escolas
primárias para crianças pobres em Foz de Iguaçu e a Escola Bolshoi de
dança em Joinville.
TEORIA...
Hoje, a força de trabalho é composta apenas por um terço de operários,
outro terço de trabalhadores intelectuais em funções executivas
(bancário, recepcionista etc.) e um último terço de funcionários com
atividades criativas (jornalista, profissional liberal, cientista etc.).
Se o trabalho for repetitivo, cansativo, chato, de subordinação,
reduz-se a uma escravidão, a uma tortura, a um castigo bíblico. Nesse
caso, a única defesa consiste em trabalhar o menos possível, pelo menor
número de anos possível.
Mas se, em vez disso, for uma atividade intelectual e criativa --que
corresponde à nossa vocação e ao nosso profissionalismo--, então ocupa
toda nossa inteligência e satisfaz nossas necessidades de
auto-realização. Nesse caso confunde-se o trabalho com o estudo e com o
lazer, transformando o trabalho em ócio criativo.
Na vida pós-industrial, organizada para produzir principalmente ideias,
não existe trabalho e não existe horário. Existe apenas ócio criativo,
que dura 24 horas, mesmo quando se dorme e se produz ideias sonhando.
...E PRÁTICA
As empresas ainda não se deram conta deste novo momento global. A oferta
de trabalho diminui e a procura por trabalho cresce, mas as empresas
não reduzem a carga horária. Poderíamos trabalhar todos e pouco, mas
alguns trabalham dez horas por dia enquanto seus filhos estão
desempregados.
As tecnologias da informação possibilitam o teletrabalho, mas todos
continuam a trabalhar nas empresas. A produção de ideias precisa de
autonomia e de liberdade, mas as empresas tornam-se cada vez mais
burocráticas. As distâncias culturais entre os chefes e os funcionários
diminuem, mas as das faixas salariais aumentam. As empresas pregam
colaboração, mas estimulam competitividade.
----------------
Tradução: CARLA M. C. RENARD
Foto Ormuzd Alves - 22.out.99/Folhapress
Fonte: Folha on line, 13/03/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário